07/08/2018

O episódio do Chaves que faz muita gente chorar

Chaves (Roberto Bolaños) vai embora da vila onde morava após ser acusado injustamente de roubo. Créditos na imagem.

     El Chavo del Ocho (1971), conhecido no Brasil como Chaves, é um seriado mexicano que há décadas faz sucesso em todo o mundo, divertindo crianças e também adultos. É uma série marcada pelo humor e irreverência. Entretanto, há um episódio do seriado em questão que já fez muita gente chorar e/ou sentir pela de Chaves (Roberto Bolaños). É sobre esse episódio que eu vou falar aqui e cuidado porque há spoilers. Bem, acredito que não tem como existir spoilers em uma série extremamente popular e que até hoje é reproduzida incansavelmente na televisão, sempre rendendo ótimos índices de audiência por sinal.
       Chaves, como o seriado é conhecido no Brasil, dispensa apresentações. Sem sombra de dúvidas, é um dos maiores seriados de todos os tempos e tem condições de ficar ao lado das grandes produções norte-americanas que fizeram história e fazem sucesso até hoje. O protagonista é Chaves, menino órfão cujo nome verdadeiro nunca foi revelado, que mora em uma vila cujo número da casa é o oito (é por isso que o nome original do sério é El Chavo del Ocho, que em tradução livre ficaria como "O Menino do Oito". E não. O Chaves não mora em um barril, ele só se esconde lá). Nesta mesma vila, tem a Chiquinha (María Antonieta de las Nieves), filha do Seu Madruga (Ramón Valdés), o Quico (Carlos Villágran), filho da Dona Florinda  (Florinda Meza), a Dona Clotilde (Angelines Fernández), o Senhor Barriga (Edgar Vivar), dono da vila onde moram os personagens e que vai a mesma mensalmente cobrar o aluguel, o filho Nhonho (que também é interpretado por Edgar Vivar) e o Professor Girafales (Rubén Aguirre). Há também os personagens que entram e saem da trama ao longo dos anos. Os moradores da "Vila do Chaves" vivem às turras uns com os outros, mas no final permanecem unidos e também se completam. Chaves também é marcado por sutis, mas não imperceptíveis críticas político-sociais. Já falei sobre o assunto aqui.

Chaves  e Seu Furtado (Ricardo de Pascual) em cena do seriado Chaves (1971). Créditos na imagem.

     O episódio que faz muita gente ter compaixão do Chaves e até mesmo ir às lágrimas é intitulado O Ladrão da Vila. O episódio começa começa dentro da normalidade: Chaves tentando equilibrar uma vassoura na palma de sua mão quando Seu Madruga o chama e pergunta se ele pode pedir a Dona Clotilde o ferro de passar roupa emprestado porque o dele sumiu misteriosamente e é neste momento que percebemos que o episódio não será tão engraçado como os demais. As crianças levanta a hipótese dele ter sumido misteriosamente por mágica da "Bruxa do 71" (é desta forma que Dona Clotilde é chamada pelas crianças, que acham que ela é uma bruxa). Dona Clotilde, eternamente apaixonada por Seu Madruga, logo se prontifica a emprestar o ferro de passar para aquele que nunca correspondeu ao seu amor. Entretanto, ela não poderá emprestar o ferro de passar porque o dela também some e é neste momento que vemos a razão do sumiço dos objetos: o Seu Furtado (Ricardo Pascual), trocadilho com a palavra furto, aparece roubando o ferro de passar da moradora do 71 e colocando em seguida no barril onde Chaves costuma se esconder. Logo, o telespectador conclui que foi ele quem também roubou o ferro de passar do Seu Madruga.
     Quico, ao procurar o Chaves, olha o barril em que ele costuma se esconder e lá encontra o ferro que o Seu Furtado roubou e colocou lá. Não demora muito e em uma cena que emociona muita gente, Chaves é acusado de ladrão por toda a vizinhança. É sério, eu conheço pessoas que sentem pena e até já choraram vendo este episódio. Eu mesmo posso servir de exemplo. Certa feita, estava em casa sozinho e como tinha um tempinho que eu não via Chaves, eu resolvi assistir. Entretanto, ao perceber que o episódio a ser exibido era o analisado neste texto, eu tratei logo de mudar de canal porque sabia que ele não ia me fazer rir como os demais episódios. Quando anoitece e todos se recolhem, Chaves junta suas coisas em uma pequena trouxa e vai embora. Antes disso, ele olha demoradamente para toda a vila e acaricia o barril que muitas vezes lhe serviu de esconderijo em um silêncio sepulcral. A cena tem um significado: aquela vila foi o lar dele e ele construiu laços com aquela vila, bem como com os moradores da mesma. E o barril, que muitas vezes lhe serviu de esconderijo, não vai servir mais.

Chaves se delicia com o sanduíche de presunto dado por Seu Furtado. Créditos na imagem.

     No dia seguinte, todos estão sentindo a falta do Chaves. Quico chora por não encontrar o amigo e um cabisbaixo Seu Madruga aparece em cena, também sentido a falta do Chaves. Não é de estranhar que todos estejam sentindo a falta do Chaves. Os moradores da vila são uma grande família e, apesar das constantes brigas, eles são muito unidos e ligados. Vale lembrar que ninguém ali tem uma família completa: Seu Madruga é viúvo e consequentemente a Chiquinha é órfã de mãe, a Dona Clotilde não se casou e nem teve filhos (ela tem uma sobrinha bebê que aparece em um episódio onde se é discutida a presença de bebês e animais na vila), a Dona Florinda é viúva e consequentemente o Quico é órfão de pai. E, claro, tem o Chaves, que não tem pai, nem mãe e muito menos irmãos, mas que no fim das contas é acolhido por todos da vila, inclusive pelo Senhor Barriga (este também parece não ter uma família completa porque a mãe de Nhonho nunca apareceu no seriado e o mesmo dá a entender que Nhonho é criado pelo pai), que o leva para Acapulco. Isso aconteceu em um episódio onde todos os moradores da vila viajam para Acapulco e o Senhor Barriga vai também, mas ao perceber que Chaves ficaria só, resolve levar o menino com ele. A única que parece estar indiferente ao sumiço de Chaves é Dona Florinda. Sempre arrogante, a mãe de Quico diz que o menino deve agradecer por ter se livrado de um "ladrão". É neste momento que Chaves aparece na vila ao lado de Chiquinha. O choro de Quico dar lugar à alegria e ele vai correndo abraçar o Chaves. A felicidade é geral entre as crianças. Outro morador da vila que fica feliz com a volta de Chaves, mas que não expressa isso abertamente é Seu Madruga. Quando Chaves reaparece, Dona Clotilde entra em cena dizendo que seu ferro de passar havia sumido novamente. Seu Madruga se mostra feliz e aliviado por ver que não tinha como o Chaves ter feito isso porque quando o ferro sumiu, ele não estava na vila. E Chaves completa dizendo que o fato de não ser ladrão foi o que o motivou a voltar.
     Chaves volta para a vila e as coisas dos moradores continuam a sumir, como por exemplo as ceroulas de Dona Florinda e a espingarda de Seu Madruga. Chaves, enquanto tais objetos estavam sumidos, conta para Quico e Chiquinha o que fez depois que saiu da vila. O menino disse que andou por longo período até encontrar uma igreja, entrar na mesma e ir procurar o padre para se confessar. Foi o padre quem o recomendou a voltar à vila de cabeça erguida, uma vez que ele não era ladrão e deveria ter a consciência limpa por conta disso. O padre recomendou também que Chaves rezasse para que as coisas se normalizassem. Em resposta a uma indagação de Chiquinha, Chaves disse que não rezou para que o ladrão fosse encontrado, mas sim para que ele se arrependesse de seus crimes. Seu Furtado passa no momento em que Chaves diz tais coisas e sua consciência pesa. Em seguida, a ceroula da Dona Florinda reaparece, assim como o ferro de passar da Dona Clotilde e a espingarda do Seu Madruga. Além disso, Chaves ganha do Seu Furtado a sua comida preferida: um sanduíche de presunto. De fato, os moradores da vila, nem mesmo o Chaves, a grande vítima em meio a tudo isso, descobriram a identidade do ladrão. Só quem soube da mesma foi o telespectador. Uma das muitas lições passadas neste seriado é a de que devemos pagar o mal com o bem, algo muito pregado por Jesus (lembrando que Chaves foi a uma igreja e o padre lhe deu este conselho). Mesmo sendo acusado por um crime que não cometeu, Chaves não quis que a real identidade do ladrão fosse revelada, mas sim que ele parasse de fazer o que estava fazendo. O ladrão fica sentido com o que ouve, devolve o que roubou e dá ao Chaves, em um gesto de retribuição pelo fato de ter ouvido dele as palavras que o motivaram a fazer isso, um sanduíche de presunto.
     Outra importante lição passada neste episódio é a de que não se deve acusar sem provas. Quico achou um ferro de passar roupas dentro do barril do Chaves e em seguida todos começam a chamar o menino de ladrão, da criança ao adulto. Ninguém se interessou em ouvir o que Chaves tinha a dizer, foram logo acusando o mesmo injustamente. No seriado, a situação não foi tão grave, mas na vida real pessoas inocentes perderam a vida por serem acusadas de coisas que não fizeram. Em 2014, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus foi espancada por centenas de moradores de Guarujá (SP) após um boato de uma rede social que dizia que uma mulher havia sequestrado uma criança para um ritual de magia negra. Esta mulher foi confundida com Fabiane, a mesma foi gravemente espancada, não resistiu aos ferimentos e veio a óbito. Cinco dos envolvidos no linchamento foram condenados. A lição passada pelo episódio do seriado Chaves analisado em questão é atual e também urgente, uma vez que boatos falsos insistem em circular pela internet, destruindo reputações e instituições.

Conclusão

     Ao contrário dos demais episódios do seriado Chaves, O Ladrão da Vila não é tão engraçado quanto os demais. Pelo contrário. É um episódio que faz as pessoas sentirem pena e até mesmo chorarem ao verem o Chaves sendo acusado por uma coisa que ele não fez. O que conforta o telespectador é que no fim descobrem que ele é inocente, os moradores da vila voltam a permanecer unidos e o telespectador aprende grandes lições com este episódio. 

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