Tiago Crispim Salvador, o entrevistado do mês de julho do blog A Hora. Imagem: Reprodução. Facebook. |
O mês de julho chega ao fim e com ele a entrevista mensal aqui do blog. O entrevistado do mês é Tiago Crispim Salvador, graduado em História pela Universidade Estácio de Sá, graduando em Ciências Sociais pela Universidade do Estado Rio de Janeiro (UERJ), faz mestrado em Ciências Sociais também pela UERJ e é um dos professores e fundadores do Pré-vestibular do São Carlos (PREVESC), cursinho comunitário que desde 2016 atua no Morro do São Carlos. Eu sou amigo e, portanto, suspeito para falar, mas o fato é que o Tiago é uma pessoa com uma inteligência fora da média e tem uma sede insaciável de conhecimento, uma mente brilhante! Ele tem um conhecimento profundo sobre muita coisa e nesta entrevista podemos ver a sua opinião sobre os mais diversos assuntos, como História, política, gênero, Marielle Franco e também novelas (sim, Tiago é um noveleiro inveterado). Ainda assim, esta entrevista não foi suficiente para dar conta da totalidade de assuntos da qual Tiago entende profundamente, pois uma postagem de um blog é muito pequena para este grande homem.
A Hora: 1 - Costumo iniciar minhas entrevistas perguntando sobre a infância do entrevistado. Você pode me falar como foi a sua?
Tiago Crispim Salvador: A minha infância em suma não foi uma infância muito diferente de qualquer criança da época em que eu nasci. Sou de 1988, pode-se dizer que sou filho do neoliberalismo, um dos momentos mais tristes e árduos da história do país. E, apesar das dificuldades, por conta da minha origem social, por morar em uma favela da área central da cidade, eu só fui ver as diferenças de possibilidade de mundo relacionadas às outras favelas que a gente veio quando vi outros jovens como eu na questão de oportunidades. Eu tive uma infância muito diferenciada até dos estigmas que se colocam em cima de uma criança negra e pobre de uma favela. Apesar de tudo, eu tive uma infância muito protegida, muito centralizada no mundo em que eu estava inserido. Vivi os primeiros momentos da minha vida até 1997, quando tinha por volta de 8, 9 anos de idade, eu vivi na parte mais precarizada da favela onde moro. Eu brincava na torre da Light, mas era uma infância meio que idílica, meio que separada entre as coisas mais idílicas e o mundo que me cercava. Mas também não era tão idílico porque estava de frente com a violência, lembro que eu vi uma cabeça de traficante na minha frente neste período. Foi onde comecei a presenciar a realidade da violência. A violência sempre foi colocada para mim em dois focos: ao mesmo tempo que eu via e vivenciava, eu não sofria fisicamente, mas psicologicamente me afetava. Eu sempre fui uma pessoa muito assustada, sempre tinha medo de tudo, até os meus 12 anos de idade eu dormia com minha mãe e bisavó, eu não ficava sozinho, tinha medo do escuro e tinha medo da noite. Não que isso tivesse uma relação direta com a violência em si.
AH: 2 - Há quanto tempo você mora com sua família no Morro do São Carlos?
TCS: A minha família está aqui desde praticamente 1964. Quem veio primeiro para o Morro do São Carlos foi uma tia minha, que faleceu em 1985, mas a minha família está aqui no São Carlos desde 1964, 1965 praticamente. Vale destacar que a família Crispim é uma família de mineiros oriundos de Juiz de Fora, a minha bisavó é fruto do êxodo rural, ela chega no Rio de Janeiro no início dos anos 1940 e ela se estabeleceu na zona oeste quando na mesma existiam as antigas freguesias rurais, quando a zona oeste era uma área rural e esse êxodo para o Morro do São Carlos ocorre na década de 1960. Progressivamente, no mesmo período em que tínhamos o Carlos Lacerda (1914 - 1977) na gestão do antigo estado da Guanabara (antigo nome do estado do Rio de Janeiro) com a política de remoção das favelas, a minha família consegue se estabelecer em uma favela da área central da cidade do Rio de Janeiro, que é o Morro do São Carlos. Eu nasci em 1988 e estou a minha vida inteira neste morro. Já vi e acompanhei vários processos ocorridos desde então.
AH: 3 - Você pode falar um pouco sobre o que está pesquisando no mestrado?
TCS: Eu estou trabalhando com mães de traficantes que perderam o filho em situação de violência policial, elas não fogem deste estigma, eles foram mortos pela polícia e elas não fogem do estigma de serem mães de traficantes. Eu trabalho a vertente delas como muitas vezes a atitude destas mães é colocada com relação ao Estado e à sociedade como resignação, como se elas não entram com inquérito, com pedido de indenização e em movimentos sociais porque elas têm o desdém da sociedade e do Estado. Muito pelo contrário. Esse silêncio que elas trabalham é uma forma política, é um silêncio com outro significado e não resignado. Eu entrei neste tema por conta da minha pesquisa, sou pesquisador do PROEALC (Programa de Estudos de América Latina e Caribe), programa que existe há 20 anos. Sou estagiário e pesquisador vinculado ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) nas áreas de questão social e violência no Brasil, na qual eu faço um recorte para discutir violência policial contra "juventudes" "negras"(com destaques para as aspas) na favela. E desde 2018 eu dou aulas no DEGASE (Departamento Geral de Ações Sócio Educativos). De certa forma, entre o que eu pesquiso e a minha experiência docente, está tudo relacionado.
AH: 4 - O que o motivou a criar o PREVESC (Pré-vestibular do São Carlos), cursinho comunitário que atua no Morro do São Carlos? Como tem sido trabalhar no mesmo?
TCS: O PREVESC sempre foi uma ambição minha em detrimento dos problemas locais daqui de onde eu moro, que sempre me chamou a atenção a inexistência de um curso pré-vestibular. Na época que eu procurei, quando queria fazer minha primeira graduação em História, entre os anos de 2007 e 2008, não tinha um curso pré-vestibular propriamente na comunidade. Tinha em uma paróquia local na subida do morro, próximo à subida na verdade, que era uma igreja católica e eu nunca soube da existência de um pré-vestibular aqui. Já teve até algumas oficinas de alfabetização, mas um cursinho não tinha. Então eu contei a ideia para amigos meus, inclusive o Marllon (sim, o autor deste blog também atua no cursinho citado), o Rhian e a Fernanda (que são sociólogos). Enfim, conversei com professores que são da mesma área que a minha e daí fomos conversando com outros professores, todos oriundos da rede pública de ensino e também moradores de comunidades que já tinham uma experiência anterior em cursinhos. O professor Marllon, inclusive, já vinha de uma experiência anterior de cursinhos e movimentos sociais pela educação na Maré. Então, decidimos nos reunir e vale destacar que tudo isso não foi uma ação só minha, me incomodou muito a ausência de um curso pré-vestibular, mas vale destacar que foi uma ideia coletiva. Eu contei muito com estes amigos para estabelecer este curso aqui.
AH: 5 - De uma forma ou de outra, sua família participou de eventos que entraram para a História, como o assassinato de John Kennedy (1917 - 1963), o assassinato de Aída Curi (1939 - 1958) e o naufrágio do Bateau Mouche, em 31 de dezembro de 1988. Fale um pouco sobre isso.
TCS: As histórias que a minha família presenciou no cenário político, cultural e nacional brasileiro começam com a minha bisavó. Ela era uma mulher matriarca, que liderou a família e é uma das primeiras a vir para o Morro do São Carlos depois que uma tia que já faleceu veio e a minha bisavó sempre contava fatos históricos que sempre me intrigaram. Na época eu até não dava muita importância, mas depois que eu passei a me interessar mais pelas ciências humanas, eu fui vendo que estes fatos eram interessantes e tinha curiosidade em saber mais. Mas as questões que mais me chamaram a atenção foram a da relação que os sertanejos que viviam não somente no sertão da zona oeste do estado do Rio de Janeiro, mas também no sertão mineiro, tinham com os indígenas. A minha bisavó contava muito dessa relação do encontro com o outro. Ela me falava muito do índio, que ela ridicularizava o fato da mulher ter um filho na cultura indígena e o homem ficar de resguardo. E depois que fui estudar Antropologia, eu vi mesmo que são práticas do Xingu e que não são disseminadas em toda tribo indígena, mas que são arranjos sociais possíveis. E ela contava também na década de 1940 sobre o estabelecimento dos japoneses e chineses em Santa Cruz, que fazia parte de uma política agrícola do governo Vargas (1930 - 1945) de criar colônias. As mesmas existiram em Caxias, em Santa Cruz e ela vivenciou isso, tanto é que tinha a reta do japonês, que hoje é reta de São Fernando. E ela contava muito estas histórias do encontro com o outro, que são fatos que estão marcados na história do Brasil. E ela também contava muito sobre o governo de Artur Bernardes (1875 - 1955), não situando o tempo porque minha bisavó era analfabeta, mas ela conseguia contar isso com uma proeza muito grande. A minha família tem até hoje essa habilidade de memorizar o fato oralmente como se eles tivessem sido vivenciados naquele momento presente, mesmo contado atualmente e mesmo eles não tendo uma precisão de datas, eu como historiador consigo ver a verdade dos fatos porque consigo situar os personagens. E ela contava também muitos detalhes sobre a Revolução Constitucionalista e foi daí que ela pegou "ranço" dos paulistas.
A minha tia Teresa, filha mais velha de minha bisavó, que fala mesmo que presenciou os acontecimentos do Caso Aída Curi, ela chegou a ver o corpo da Aída caído em uma rua em Copacabana. A minha avó trabalhou na casa dos parentes de John Kennedy que viviam no Brasil. Ela conta que no dia que ele foi assassinado, em 1963, houve uma grande comoção nesta casa. Já o meu padrinho trabalhava na Praia Vermelha, ele era do Exército e no dia que o Bateau Mouche afundou, em 1988, ele estava de serviço e ajudou no resgate das pessoas. Então, eu sempre tive uma aproximação muito grande com a História, principalmente com os fatos históricos ocorridos entre os anos 1940 e 1950. A minha tia Teresa conta que certa feita viajou de barca com Dalva de Oliveira (1917 - 1972) e a Dalva e outros personagens foram presentes no imaginário da minha família. Mesmo eles tendo baixa escolaridade, é possível comprovar a veracidade dos fatos contados e identificá-los na História por conta da riqueza de detalhes com que eles contam os mesmos.
AH: 6 - Você tem um vasta pesquisa nas áreas de gênero, sexualidade, tráfico de drogas, milícia e segurança pública. De que forma as relações homoafetivas são encaradas em um espaço tão machista que é o tráfico de drogas? É sabido que elas existem...
TCS: Bom, sobre a experiência na área de gênero, não é uma experiência que eu tenho pelo CNPq. É uma vivência olhada com o olhar investigativo do sociólogo e do historiador, mas não é meu campo de pesquisa. A minha pesquisa é letalidade, violência e juventude. A questão da homossexualidade no tráfico é que o tráfico está associado a uma cultura viril e masculina no sentido de comprar os estereótipos machistas, reproduzindo as heranças do patriarcado. Isso não significa que a existência da homossexualidade em qualquer um destes setores seja nula e isso é uma reprodução mais ampla do que acontece na sociedade. O crime não é um fato social isolado, ele está dialogando com o social e a sociedade é machista e patriarcal. Logo, o tráfico de drogas tende a reproduzir isso. A polícia e o Exército também veriam a questão da homossexualidade de uma forma não muito diferenciada do que é visto no tráfico de drogas.Eu acho que não é uma questão só de escandalizar ou criar um estereótipo para o crime: a questão do machismo e da homofobia é central na sociedade brasileira como um todo. Além disso, o que seria homossexualidade? Há uma confusão muito mal colocada entre prática sexual e gênero. Identidade de gênero é uma coisa e prática sexual é outra completamente diferente. A gente deveria aprender essa aulinha desde Roma, mas falta muito ainda. O que seria o homossexual? Por que chama a atenção um traficante ter uma relação de coito com outro homem? Porque foge ao discurso especialista. Não sei se seria elucidativo discutir esta temática sob o olhar de velhos clichês e temos de tomar cuidado para não reproduzir certas vulgarizações feitas sobre papel de gênero, identidade de gênero e performances sexuais. Isso é muito mais complexo do que a gente imagina.
AH: 7 - Uma coisa que você gosta muito fazer é analisar novelas. Quando e porque você começou a fazer isso?
TCS: O que mais me espanta é que as pessoas, principalmente os intelectuais, acham que novela e futebol são coisas que alienam, que não devem ser discutidas, mas o fato é que de uma certa forma estão representando o social, nada escapa ao social. Não sei se isso é uma bizarrice da minha formação, pois eu tenho uma influência da formação francesa, uma herança da Escola dos Annales porque, por mais que se tente discutir micro-história, a gente não quebrou com certos paradigmas. Isso é na História. Nas Ciências Sociais, a gente tem a predominância da tradição sociológica francesa, que tem essa leitura do social muito forte. O social tem uma primazia fundamental que não deve ser descartada. O que que acontece? A novela, por mais que sua proposta seja o entretenimento, é o social quem está falando ali o tempo inteiro, principalmente nas novelas do horário nobre. Então, negligenciar a novela é negligenciar o que está sendo reproduzido ali. A novela não é apolítica, ela tem um jogo de cintura que por mais que ela se mostre neutra, ela está dentro do seu formato colocando valores, expressões sociais e culturais. A novela é fundamental para discutir o que a sociedade está pensando. A novela não foge ao seu tempo. Um exemplo: a novela Que Rei Sou Eu? (1989) foi uma novela voltada para as questões da Revolução Francesa (1789), mas que expressava problemas políticos da sociedade brasileira em 1989. E o que tínhamos em 1989? As eleições presidenciais, depois de um período ditatorial que durou mais de 20 anos cujo primeiro presidente do pós - Ditadura foi eleito de forma indireta (Tancredo Neves é eleito, mas morre e quem assumo é o vice José Sarney). Então, olhar a novela como algo isolado é impossível. Um dos artigos que escrevi em 2017 que falava da criminalização do pobre, a novela das nove colocava a questão da segurança pública, que é uma questão que está sendo alardeada na mídia e também foi apropriada pela novela. As novelas apropriam fenômenos sociais e colocam ali dentro de seu formato. Escamotear isso do debate social é muito complicado.
AH: 8 - Você assistiu religiosamente a reprise de Explode Coração (1995), que acabou de ser reprisada há pouco tempo no Canal Viva. O que lhe chamou a atenção nesta novela?
TCS: Ao longo da minha curta carreira acadêmica, eu tenho discordado muito das visões da Glória Perez (autora de Explode Coração). Eu critico bastante o modo como o social é colocado ali. A Glória Perez é historiadora e então eu tenho umas críticas mais diretas a ela do que com outros autores, pois é uma questão do campo. E ela gosta muito de trabalhar a questão da alteridade, que é uma questão antropológica e como sou muito ligado à Antropologia, então eu sempre me volto. Além disso, eu sempre chamo a atenção ao modo como ela trabalha o outro, sempre com um olhar etnocentrista. Mas Explode Coração é uma novela que eu admiro por conta do trabalho que Glória Perez faz em torno da campanha sobre as crianças desaparecidas. Isso foi um impacto muito grande para a época e eu me lembro disso muito bem. Era uma época onde o desaparecimento de crianças alcançava altos índices. Haviam automóveis que circulavam pelas favelas a procura de crianças negras e pobres. E isso foi muito bem explorado na novela. Eu acho que assim como a gente tem que ter o bom senso acadêmico de saber reconhecer as críticas, o que é a favor também deve ser colocado. É isso o que me chama a atenção em Explode Coração e não é nem a história em si, mas esta campanha específica.
AH: 9 - A Sarita (Floriano Peixoto), personagem de Explode Coração (1995), nasceu homem, mas se identifica como mulher. Na sua opinião, foi uma ousadia da Glória Perez, que em plena década de 1990, criou uma personagem como esta?
TCS: Olha, ao mesmo tempo que você me fez elogiar a Glória Perez, você está me fazendo voltar atrás (risos). A construção da Sarita funciona da seguinte forma: ao mesmo tempo que é uma ousadia, ainda que muito tímida por conta da época e isso não é culpa da Glória porque ela não podia fazer muita coisa. A Sarita é uma personagem que reproduz os machismos. Para ela, a mulher tem que ser contida sempre. Além disso, a Sarita criminaliza as mulheres que são ousadas, ela espera que a mulher seja do lar, que se ajuste ao machismo e à heteronormatividade. Eu não vejo avanços, mas para a época tocar minimamente no assunto, levando a possibilidade da existência de alguém como Sarita na vida real, pode ser visto como um grande mérito. Agora, achar que é revolução? Aí, não. E eu volto a falar:a questão das crianças desaparecidas me interessou muito mais que a Sarita (risos).
AH: 10 - Na célebre cena da explosão do shopping Tropical Towers em Torre de Babel (1998), todos os personagens mortos eram estigmatizados pela sociedade. Qual o perfil destes personagens?
TCS: Vale lembrar que Torre de Babel era uma novela que me assustava muito (risos). É uma novela que trabalha com a violência em todos os sentidos, que é uma característica do Silvio de Abreu (autor da novela), trabalhar com questões policiais. Você falou em ousadia e eu acho que o Silvio tentou ousar muito mais que a Glória Perez porque foi colocada a questão da homossexualidade e as personagens (Rafaela e Leila, interpretadas respectivamente por Christiane Torloni e Silvia Pfeifer) não se reprimiam, mas havia uma diferença muito grande: elas eram lésbicas da alta elite paulistana. Então, elas poderiam optar por essa liberdade. Além disso, você tinha a questão do dependente químico (Guilherme, personagem interpretado por Marcello Antony), que era muito mal trabalhada, mas não era uma questão do autor: era uma questão do momento. Enfim, todos estes personagens tiveram uma aceitação muito negativa do público e na trajetória da novela todos estes personagens explodiram no shopping. Foi uma novela que tentou ousar, mas não conseguiu.
Na questão do gênero, é muito importante destacar a Ângela Vidal (Cláudia Raia). Ela é uma mulher que comanda tudo. A Ângela era o espírito do Tropical Towers, mas o que acontece com ela? A Ângela Vidal é invejosa, ela não é realizada, é uma mulher que coloca o trabalho acima de tudo, ela é vista como "amigão", "parceirão" porque o Henrique (Edson Celulari) só via ela como amigo, ele não via ela como uma mulher que tinha sentimentos. A Ângela Vidal é colocada como uma personagem fria e a alma do shopping era ela. Então, ela teve um preço a pagar: ela sobreviveu a explosão, mas virou a vilã e se suicidou. A Marta (Glória Menezes) era o drama da burguesia. Ela me lembra muito a música do Chico Buarque chamada O Casamento dos Pequenos Burgueses e tem o César (Tarcísio Meira), que virou o "galãzão", que seu papel de gênero e poderoso propõe e todas as mulheres que querem ser bem aceitas, elas se enquadram. A Celeste (Letícia Sabatella) deixa de ser uma prostituta e passa a ser uma boa executiva, acolhedora, do lar e responsável com seu trabalho. Mas a Ângela, que era a mulher que conseguiu ser realizada profissionalmente, é demonizada e os outros morrem. Em 1998, era impossível que personagens como estes fossem até o último capítulo. Então, Torre de Babel é uma novela muito boa para estudar esses leques. Vale lembrar que adoro os escritos do Silvio de Abreu.
AH: 11 - Você mora perto do local onde a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados. Onde você estava quando Marielle e Anderson foram mortos?
TCS: Na casa de uma amiga e eu soube da notícia por lá. Coincidentemente, como eu moro no Estácio, passei e a rua estava fechada. Eu acabei vendo a cena, o Marcelo Freixo (PSOL) estava lá, havia também pessoas que militam comigo no movimento em prol da educação e eu acabei vendo tudo. O que mais me chocou nisso é como uma pessoa com uma expressividade tão grande só passa a ser reconhecida principalmente nos meios sociais e a sua repercussão como ícone depois de morta. Se ela não morresse, ela não seria lembrada e isso é o que mais me chocou.
AH: 12 - Você discordava do discurso do empoderamento que Marielle pregava, preferindo a representatividade no lugar disso. Por quê?
TCS: Empoderar o outro é muito complicado para qualquer pessoa. E isso nada tem a ver com a questão do gênero, etnia ou qualquer outra coisa. Eu tento fugir da pegada marxista, mas às vezes acabo pegando. É muito complicado empoderar uma pessoa, um grupo e nós já vimos isso ao longo da História. Eu acho que a questão é a inclusão de todos. Agora, você empoderar um em detrimento de outro pode ser muito perigoso, por mais que você queira trabalhar reparações históricas, que eu sou totalmente a favor, como ao povo negro, que eu faço parte, devem realmente ser feitas e não são medidas paliativas que vão inserir a gente na sociedade. É só ver o genocídio nas favelas, onde quem mais morre são negros e a abolição da escravidão em 1888 não nos levou a nada, a não ser o mercado de trabalho barato e não nos inseriu na sociedade até hoje. Mas a questão do empoderar é muito complicada porque você vai empoderar quem? É sempre uma nata, uma oligarquia porque é isso o que se vê. Então, isso de uma certa forma não me atrai muito. Eu luto muito mais pela inclusão.
AH: 13 - Tiago, para encerrar esta entrevista maravilhosa e enriquecedora, você pode deixar uma mensagem para os leitores do blog A Hora?
TCS: Gente, leiam o blog A Hora. É bom que medidas como essa se popularizem porque é ate um meio de a gente estar transpondo as nossas ideias em canais assim, principalmente quem não consegue publicar nada em CNPq porque a gente sabe a dificuldade que é para ter as primeiras publicações e tudo mais. E a internet é uma forma de ser notado. Muitas coisas mais para contra do que para mais, mas se existem coisas que favoreçam, então façam.
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