01/03/2017

O fim trágico que acompanha os filmes com temática LGBT

Jack Twist (Jake Gyllenhaal, de chapéu preto) e Ennis Del Mar (Heath Ledger) em cena do longa O Segredo de Brokeback Mountain (2005). Os protagonistas não terminam juntos. Imagem: Reprodução.

     No mundo afora são produzidos incontáveis filmes com temática LGBT. Eles são ambientados em lugares, tempos e protagonizados por pessoas diferentes. Entretanto, parece que há algo em comum entre todos estes filmes: o casal protagonista não termina junto e o longa não possui final feliz.
     A imagem que abre este filme é uma cena do filme O Segredo de Brokeback Mountain (2005). O longa é uma adaptação do romance de Annie Prouxl e é protagonizado por Jack Twist (Jake Gyllenhaal) e Ennis Del Mar (Heath Ledger), dois jovens vaqueiros que se conhecem no começo da década de 1960 enquanto trabalhavam juntos no pastoreamento de ovelhas na fictícia montanha de Brokeback, que dá nome ao filme. O longa relata o relacionamento emocional e sexual dos protagonistas ao longo de 18 anos. Jack e Ennis se amam verdadeiramente, mas a sociedade em que vivem é extremamente homofóbica, o que se torna um impasse para os dois viverem juntos. Jack está disposto a enfrentar tudo e todos, mas Ennis não e há um agravante nessa história: Ennis convive com a traumática memória de infância em que um suspeito de ser homossexual é torturado e morto em sua cidade natal. Ao longo do filme, Jack e Ennis se casam e cada um constrói sua família, fato que serve como mais uma desculpa para Ennis, que não quer viver com Jack porque não quer abandonar a familia. Após um tempo se encontrando e vivendo vidas duplas, Ennis fica sabendo que Jack faleceu. A esposa de Jack explica para Ennis que o marido morreu por conta de pneu que explodiu em sua face. Entretanto, são apresentados ao espectador imagens de um Jack sendo atacado por três homens, sugerindo um ataque homofóbico. No fim da história, Ennis termina sozinho e convivendo com o remorso de nunca ter tido coragem de viver ao lado do grande amor de sua vida. 

Ned Weeks (Mark Ruffalo, à esquerda) e Felix Turner (Matt Bommer, à direita) em cena de The Normal Hearth  (2014). O longa é uma ficção que mostra como os EUA reagiu a epidemia de AIDS. Imagem: Reprodução.

     The Normal Hearth (2014) é um filme de ficção e que já foi adaptado para o teatro. Era a década de 1980 e o movimento gay, que havia surgido anos antes, já estava consolidado. A liberdade sexual era o discurso do momento, até vim uma doença em forma de epidemia e acabar com tudo. Era a AIDS. A doença foi chamada de "câncer gay" por atingir de início majoritariamente o público homossexual e por ter por sintoma inicial um tipo de câncer de pele raro. A doença, que até então não tinha nome, não era tratada com a devida atenção pelos profissionais da saúde e pelo governo. É neste cenário que surge Ned Weeks (Mark Ruffalo), um homem que defende uma postura mais radical com relação ao combate à doença. Seu posicionamento radical faz com que o mesmo se torne uma pessoa indesejada pelas autoridades e pelos amigos. Ned se apaixona por Felix (Matt Bommer) e passam a viver juntos. A beleza do talentoso Matt Bommer foi bastante explorada nesse filme e a cena de sexo protagonizada por ele e por Mark Ruffalo é muito bonita. Tudo parecia estar indo bem, até Felix descobrir que tem AIDS e morrer. Ned termina o filme sozinho. Outro filme que tem a AIDS como tema é Holding The Man (2015), que é baseado em uma história real e tem Tim Conigrave (Ryan Corr) e John Caleo (Craig Stott) como protagonistas. Tim e John se apaixonam ainda nos tempos de colégio e desde então passam a ter uma união estável. John e Tim descobrem que são portadores do vírus da AIDS e acabam morrendo, no início dos anos 1990, com diferença de aproximadamente dois anos entre a morte de um e outro.

Capa do curta-metragem norte-americano Starcrossed: o amor contra o destino (2005). Imagem: Reprodução. 

     Você que está lendo este texto pode supor que os filmes até aqui citados possuem um fim trágico porque abordam uma época em que a união entre pessoas do mesmo sexo era um tabu, sendo punível na prática com a pena de morte. Entretanto, filmes que são ambientados temporalmente na atualidade reproduzem a tragédia que costuma cercar filmes com temática LGBT. O poster acima é do curta-metragem Starcrossed: o amor contra o destino (2005). O curta conta a história de Darren (J. B. Ghuman Jr.) e Connor (Marshall Allman), dois rapazes que foram criados como irmãos (Connor era adotado) em uma família intolerante e em uma vizinhança puritana. Os jovens percebem que o que sentem um pelo outro vai além de um amor entre dois irmãos. Incapazes de esconderem essa atração e não suportando o ambiente em que vivem, os jovens decidem fugir e, acreditando que este mundo não é capaz de compreender o amor que sentem um pelo outro, os jovens se matam. Há algumas semelhanças entre esse curta-metragem e o filme brasileiro Do Começo ao Fim (2009) e uma delas é a paixão que nasce entre os irmãos. A diferença principal entre ambos os filmes é que o segundo tem final feliz. Do Começo ao Fim conta a história de Francisco (Lucas Cotrim/ João Gabriel Vasconcellos) e Thomás (Gabriel Kaufmann/ Rafael Cardoso), dois meio-irmãos filhos de Julieta (Júlia Lemmertz). Os meninos cresceram em um ambiente amoroso e tiveram a oportunidade de conhecerem outras pessoas. Mesmo assim, desde crianças, eles sempre nutriram um carinho mútuo. Com a morte da mãe, Alexandre (Fábio Assunção), o pai de Thomás, percebe a forte atração entre os jovens e resolve sair da casa onde morou com a falecida esposa. O amor entre os jovens é consumado, rendendo um belo final feliz. Do Começo ao Fim é um filme bem dirigido, com ótimos atores e ótimo texto. Por outro lado, ele é extremamente polêmico ao abordar de uma única vez incesto e homossexualidade. As semelhanças entre Starcrossed: o amor contra o destino e Do Começo ao Fim levam algumas pessoas a acreditarem que o diretor do segundo filme se inspirou no primeiro.

Francisco (João Gabriel Vasconcellos, à esquerda) e Thomás (Rafael Cardoso) em cena do longa Do Começo ao Fim (2009). Imagem: Aluizio Abranches. 

     Outro filme contemporâneo com temática LGBT cujo fim é trágico é o longa nacional Invisibilia (2015) (assista aqui). A história é centrada em dois rapazes de classes sociais distintas que precisam enfrentar o preconceito de dentro e de fora da família para viverem o amor que sentem um pelo outro. O filme tem um texto extremamente clichê, personagens mal desenvolvidos e falhas graves no roteiro. No final, um dos rapazes, filho de uma evangélica intolerante, é morto por um outro rapaz que perseguia homossexuais. Arrependida por ter desprezado o filho gay, a mãe evangélica decide cuidar do namorado do filho como seu próprio filho. O filme possui um final alternativo, onde os jovens protagonistas vivem juntos. Outra coisa em comum entre os filmes LGBTs é que os protagonistas vivem momentaneamente um amor intenso e verdadeiro antes da tragédia que se aproxima. É como se experimentassem o amor verdadeiro antes de morrerem.

A temática LGBT na televisão


Tobias (Cleiton Morais, à esquerda) e Lauro (Marcelo Argenta, à direita) em cena da novela Êta Mundo Bom (2016). Imagem: Reprodução.


     O modo como os LGBTs são retratados na televisão é bem diferente do que ocorre no cinema. Na maioria dos casos, os casais homoafetivos terminam juntos em um verdadeiro final feliz. Entretanto, a temática LGBT não é aprofundada nas telinhas. Os casais gays se parecem mais dois amigos do que um casal: eles nunca se beijam e nem se abraçam. Isso acontece para não incomodar a ordem patriarcal vigente que só tolera relacionamentos heterossexuais. A televisão vive nesta "prisão" porque é um meio que atinge um número muito grande de pessoas, fazendo com que grupos sociais como cristãos fundamentalistas influenciem direta ou indiretamente a televisão, refletindo na audiência de um programa. Além disso, grandes empresas compram horários na televisão para vender seus produtos, fazendo com que alguns programas sejam reféns dos mesmos, que não querem ver suas marcas associadas a determinados temas, embora este comportamento esteja mudando de forma gradual. O mesmo não acontece no cinema, que é uma arte mais livre e independente. Por outro lado, dependendo da temática abordada, o filme pode ter mais ou menos recursos e consequentemente mais ou menos visibilidade. É importante lembrar que beijos e carinhos entre casais gays estão se tornando comum na televisão, mesmo de forma tímida. Já teve até cena de sexo na televisão que foi protagonizada por dois homens (veja aqui).
     A imagem acima postada é uma cena da novela Êta Mundo Bom (2016). Lauro (Marcelo Argenta) era um médico que estava comprometido com Emma (Maria Zilda Bethlem). No último capítulo da novela, Lauro chega para a então namorada e diz que "não é um homem como os outros". Sem fazer escândalos, Emma aceita a situação e completa: "Eu entendo muito bem, Lauro. É um amor que não ousa dizer o nome". Em seguida, Lauro convida o alfaiate Tobias para jantar e ambos terminam juntos e felizes. Desde o início da trama que as cenas dos personagens davam a entender que eles eram homossexuais. A relação dos dois foi mostrada de forma discreta, onde o telespectador percebeu facilmente que eles formaram um casal. Outros casais homoafetivos da televisão que tiveram final feliz foram Thales (Armando babaioff) e Julinho (André Arteche) de Ti Ti Ti (2010), Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) de Amor à Vida (2013), Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller) de Em Família (2014), Sérgio (Cláudio Lins) e Ivan (Marcello Melo Jr.) de Babilônia (2015), Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg) também de Babilônia (2015), Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli) de Mulheres Apaixonadas (2003), Jenifer (Bárbara Borges) e Mylla Christie de Senhora do Destino (2004) e Sandro (André Gonçalves) e Jeferson (Lui Mendes) de A Próxima Vítima (1995). É importante ressaltar que, assim como no cinema, há na televisão casais gays que não tiveram final feliz.

Conclusão

     Uma possível interpretação para o fato de os filmes com temática LGBT serem trágicos está no fato de historicamente os gays  serem perseguidos, fazendo com que os mesmos não fossem felizes e não conseguissem viver ao lado da pessoa amada. Esta explicação serve para os filmes LGBTs que retratam uma época em que ser gay era um tabu para a sociedade. Os anos se passaram e a coisa não mudou muito. LGBTs são mortos mundo a fora e o Brasil lidera esse ranking. Gradativamente e com muito esforço, os LGBTs tem conquistado seus direitos, podendo ser feliz ao lado de quem se ama. Diante deste cenário e partindo do fato de que as produções artísticas são frutos da época em que foram produzidas, quem sabe os futuros filmes LGBTs não terminam com um final feliz? 

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