06/03/2017

Carlos Lacerda: um direitista inteligente

Carlos Lacerda. Imagem: Reprodução.


   Carlos Lacerda (1914-1977) foi um jornalista e político brasileiro. Foi membro da União Democrática Nacional (UDN), vereador (1945), deputado federal (1947-1955) e governador do estado da Guanabara (1960-1965). Foi fundador da Tribuna da Imprensa e criador da Editora Nova Fronteira. Carlos Lacerda era um opositor político de direita e ele tinha um diferencial que até hoje faz diferença na esfera política: sua bagagem intelectual.
      Lacerda teve atuação fundamental na crise política que culminou no suicídio do então Presidente da República Getúlio Vargas em 1954 e foi também peça chave na crise que culminou na deposição do então presidente João Goulart e na implantação de um golpe civil-militar que durou 21 anos. A oposição de Carlos Lacerda não consistia em ir às ruas, fazer manifestações ou algo do tipo. O instrumento que Lacerda usava para fazer oposição era a caneta. Com seu grande talento para a escrita aliada à sua inteligência, Carlos Lacerda escrevia textos ácidos de oposição ao governo vigente. Foi assim com Getúlio Vargas (1882 - 1954). Durante todo o segundo mandato de Getúlio Vargas, Carlos Lacerda se uniu a militares intervencionistas e a partidos oposicionistas em um esforço para derrubar o então presidente Vargas. Isso era feito por meio de acusações feitas que publicava no seu jornal Tribuna da Imprensa.


Carlos Lacerda é carregado por policiais após atentado. Este episódio aprofundou ainda mais a crise política que o Brasil vivia na época,culminando na morte de Getúlio Vargas, em 1954. Imagem: Reprodução.

     A rivalidade política entre Carlos Lacerda e o então presidente Getúlio Vargas se acirrou ainda mais após o primeiro sofrer um atentado. Lacerda levou um tiro de raspão no pé na porta do prédio onde residia, na rua Toneleiro, no começo de agosto de 1954, quando voltava de uma palestra. Neste mesmo atentado o major da aeronáutica Rubens Vaz morre. O major era membro de um grupo de jovens oficiais que protegiam Lacerda diante das ameaças que o mesmo vinha recebendo. Atingido por um tiro de raspão em um dos pés, Carlos Lacerda foi levado para um hospital e lá mesmo acusou os seguranças do Palácio do Catete (até então a sede do poder executivo) de serem os mandantes do crime. A pressão da mídia e a comoção pública levaram o governo a investigar o atentado. Não demorou muito e a oposição passou a usar o atentado para tornar a crise política existente ainda mais aguda. Os autores do crime foram presos e os mesmos confessaram o envolvimento do chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato e do irmão do presidente, Benjamim Vargas. O então presidente foi informado de que havia indícios que provavam que havia membros da Guarda no atentado. Quase 20 dias depois, com o agravamento da crise política e a pressão das Forças Armadas para que renunciasse, Getúlio Vargas se suicida no dia 24 de agosto de 1954. O suicídio reverteu a opinião pública e provocou uma grande onda de comoção e revolta. Este fato obrigou Lacerda e parte de seu grupo a deixar o país. Na época, milhares de pessoas tomaram as ruas e quebraram jornais ligados à oposição. Carlos Lacerda participou de uma nova tentativa de Golpe de Estado em 1955, quando se uniu aos militares e a direita udenista a fim de impedir a eleição e a posse do então presidente eleito Juscelino Kubitschek e seu vice, João Goulart.

Da esquerda para a direita: João Goulart, Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek.  Lacerda procurou os então adversários políticos para criar uma frente de oposição ao regime. Entretanto, o projeto foi abortado com o endurecimento da ditadura. Imagem: Reprodução.

     Carlos Lacerda não conseguiu depor Kubitschek, mas conseguiu, junto com alguns setores da sociedade, a depor João Goulart depois que este foi eleito Presidente da República. Lacerda foi um dos principais articuladores do golpe civil - militar de 1964. Entretanto, voltou-se contra ele dois anos depois, após o mandato do então presidente Castelo Branco ter sido prorrogado. Segundo Lacerda, a prorrogação do mandato de Castelo Branco levaria o recém instalado governo "revolucionário" a se consolidar em uma ditadura permanente. Lacerda procurou superar as diferenças políticas e se uniu a Goulart e Kubitschek para criar a Frente Ampla, movimento de resistência a ditadura. Entretanto, teve seu mandato cassado pelo regime em fins de 1968, quando a ditadura se tornou ainda mais severa. Foi preso e ficou na mesma cela que Mário Lago, seu antigo companheiro dos tempos de PCB, com quem não falava há décadas. Faleceu em 1977 vítima de um infarto. O fato de três líderes da Frente Ampla terem morrido em datas próximas (Goulart faleceu em 1976, vítima de um infarto e Juscelino Kubitschek morrem também em 1976, em um acidente automobilístico) levou algumas a pessoas a pensarem que tais mortes estavam relacionadas, fato que nunca foi comprovado.
     A atuação de Carlos Lacerda ocorreu em um período em que o mundo vivia uma época de extrema polarização, conhecido como Guerra Fria, onde os EUA e a URSS disputavam a hegemonia mundial. Era uma época de extrema dicotomia, ou você  era  de esquerda (URSS) ou você era de direita (EUA). Dessa forma, é compreensível que algumas pessoas vissem o comunismo em tudo. Inclusive foi para "proteger o Brasil do comunismo" que Goulart foi deposto e uma ditadura imposta. Entretanto, o tempo passou, Carlos Lacerda partiu deste mundo e muita gente ainda continua a ver o comunismo em tudo. Já disseram que o filme Tropa de Elite é um instrumento usado para difamar a imagem da Polícia Militar, já disseram que o projeto Escola Sem Partido deve ser colocado em prática para acabar com a doutrinação de esquerda que as crianças vem sofrendo e já disseram também que Lula e Dilma vieram para implantar um regime comunista. Os opositores ignoram a complexidade  do atual quadro político e fala que tudo é comunismo. Um argumento fraco e vazio que nem sempre convence a maioria da direita. Opositores com a bagagem intelectual de Carlos Lacerda fazem falta no país.

Conclusão

     Quer ser de direita? Seja. Seja também humano, respeitoso, ético e não fale sem saber. Não haja como essa direita tupiniquim que o Brasil tem atualmente. Uma direita ignorante, cheia de ódio, que lida com política como quem lida com futebol, que baseia suas opiniões em frases fora  de contexto e que, na falta de argumentos, parte para o lado pessoal, ofendendo o adversário político. Ao invés de se pautar basicamente na moral e nos bons costumes e de "infiltração do comunismo", pense em um novo modelo de país. 

Um comentário:

  1. Parabéns pela reflexão democrática e qualificada além dos relatos históricos corretos não tendenciosos ou ideologizados.

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