08/03/2017

Alex Ticiano - um machista popular

Alex Ticiano, um dos personagens mais populares de Verdades Secretas (2015). Imagem: TV Globo/Reprodução.

     Ele via as mulheres como objetos, traía a ex-esposa, traía a noiva, se casou com uma mulher somente para se aproximar e dormir com a filha dela e contratou uma prostituta para tirar a virgindade do filho sem ele saber. Entretanto, mesmo com todas estas características, Alex Ticiano foi um dos personagens mais populares de Verdades Secretas (2015). Como um homem com todas estas características se tornou tão popular?

Rodrigo Lombardi interpretou Alex Ticiano. Imagem: Reprodução.

     Verdades Secretas (2015) foi uma novela "das onze" escrita por Walcyr Carrasco e exibida pela Rede Globo de Televisão. A trama mostrou o submundo da fama, onde homens e mulheres dizem para a sociedade que são modelos, mas que na prática são profissionais do sexo. Angel/Arlete (Camila Queiroz) é a protagonista da história. Após a separação dos pais, Camila se muda para a capital com a mãe e vai morar com a avó materna. Sonhando em ser modelo, acaba indo para a agência de Fanny (Marieta Severo), que na prática é uma agência de prostituição, onde as moças oferecem serviços sexuais para homens de grande poder aquisitivo. Mesmo relutante, Angel acaba entrando nesse universo, pois se encontra em uma situação financeira difícil. É nesse mundo que Angel conhece Alex Ticiano (Rodrigo Lombardi).

Angel (Camila Queiroz) em cena da novela Verdades Secretas. Camila, que até então era modelo, se tornou conhecida do grande público após este trabalho na TV. Imagem: Reprodução.

     Alex era um bilionário dono de uma holding. Era divorciado de Pia (Guilhermina Guinle),com quem teve um casal de filhos. As constantes traições de Alex causaram o fim do casamento. Alex trabalhava muito e acreditava que sua função era somente suprir as necessidades materiais de seus filhos e pagar uma pensão para a ex-esposa, quem ele achava que deveria cuidar dos filhos. Este fato ficou evidente em uma cena da novela onde Giovanna (Agatha Moreira), na ausência da mãe, dá uma mega festa na mansão onde mora, deixando a casa destruída. Alex, pai da moça, é chamado até a mansão e pergunta a ex: "Como é que você viaja e deixa os meus dois filhos sozinhos? Pra que que eu te pago pensão, Pia?", que responde: "Paga porque é lei".
     No início da trama, Alex era noivo de Samia (Alessandra Ambrosio), mas a traía constantemente quando ela estava viajando. Alex traía a sua noiva com garotas de programa. Isso porque ele via as mulheres com quem se relacionava como objetos a sua disposição. Além disso, ele não sentia afeto ou queria ter intimidade com nenhuma delas. A única coisa que queria era mostrar seu grande poder financeiro e sentir que todos estavam a sua disposição. Alex não queria uma mulher ao seu lado, Alex queria uma pessoa que realizasse todos os seus desejos e que estivesse sempre a seu dispor. Alex Ticiano não gostava somente de se relacionar com prostitutas: ele tinha preferência por prostituas que eram menores de idade. Isso porque uma menor de idade tem menos experiência e tende a ser mais ingênua, sendo mais propensa a realizar os caprichos de Ticiano. Fanny, a dona da agência que oferece serviços de book rosa, conhece o perfil de mulher que agrada Alex. Tanto é que em dois momentos da trama ela recomenda as moças que vão se encontrar com o bilionário a se fingirem de inexperientes, mas elas não conseguem enganar Alex.

Os encontros sexuais de Angel e Alex renderam ótimas sequências ao folhetim e repercutiram nas redes sociais. Imagem: Felipe Monteiro/Gshow. 

     Angel e Alex começaram a se encontrar com frequência. A obsessão do magnata pela jovem era tanta que ele pede para Fanny separar Angel exclusivamente para ele, impedindo a jovem de se encontrar com algum outro cliente. Alex oferece uma grande quantia em troca e Fanny aceita sem pestanejar. Alex deixa claro para Angel que não quer se casar com a garota e, além disso, ele é acusado de estuprar uma modelo da agência de Fanny, o que não é verdade. Desiludida com Alex, Angel se afasta dele. O bilionário tenta de todas as formas se aproximar da jovem modelo, mas ela não cede. Disposto a voltar a se encontrar com a modelo, Alex se casa com Carolina (mãe de Angel) a fim de voltar a se encontrar com a jovem. Fica comprovado que Alex não estuprou uma modelo e, desta forma, mesmo estando namorando, Angel volta a ter relações sexuais com Alex, que agora é seu padrasto. Uma das razões que  fizeram Angel voltar a ter relações com Alex foi uma ameaça que ele fez de contar a mãe da jovem toda a história deles. Com isso, mesmo correndo o risco de ser descoberta pela mãe (o que acontece nos últimos capítulos da novela), Angel e Alex voltam a ter intensas relações sexuais, incendiando a internet.

Bruno (João Vitor Silva) e Alex Ticiano (Rodrigo Lombardi) em cena da novela Verdades Secretas. Alex  não aceitava o fato de Bruno, seu filho, ser virgem. Imagem: Felipe Monteiro/Gshow. 

     O fato de Alex se relacionar com várias mulheres não significa necessariamente que ele estivesse preocupado em satisfazê-las sexualmente. Pelo contrário. Como já dito acima, Alex via as mulheres com quem se relacionava (a grande maioria destas eram prostitutas menores de idade) como meros objetos de seu deleite. Além disso, em uma discussão violenta com o pai, Giovanna disse que, se para o irmão o pai trazia preservativos, ele não perguntava nem se a jovem estava namorando. Isso mostra que para Alex a sexualidade da mulher não importava, mas a do homem deveria sim ser incentivada. É por isso que ele contrata uma garota de programa para se fazer de estudante e seduzir o filho. Isso porque Alex não suportava a ideia de ter um filho virgem. Para ele, não importava ter uma filha virgem, mas ter um filho que ainda não tinha tido relações sexuais era inadmissível para Alex Ticiano que, além disso, achava que o mancebo era homossexual. Bruno era um jovem romântico que queria perder a virgindade com quem realmente estivesse apaixonado. Alex não concordava com isso porque acreditava que "romantismo é coisa de mulher (...) amor pra homem é sexo, é fogo, é tesão (...) Homem se apaixona quando o pau fala mais que a cabeça (...)". Bruno fica arrasado ao saber que a moça por quem havia se apaixonado era na verdade uma prostituta contratada pelo pai. Este fato faz Bruno mergulhar no mundo das drogas e o jovem passa a ter relações sexuais com outro homem. A fim de se livrar das drogas, Bruno vai para uma clínica de reabilitação.

Drica Moraes interpretou Carolina, mãe de Angel em Verdades Secretas. A mãe não suportou o fato de o seu marido e a filha serem amantes, fato que a levou ao suicídio. Imagem: Reprodução. 

     Alex e Angel se relacionavam no mesmo apartamento em que o ricaço morava com a mãe da jovem. O desejo que um sentia pelo outro era imenso e começou a levantar suspeitas daqueles que conviviam com a família recém-formada (os empregados que trabalhavam na residência foram os primeiros a descobrirem o caso e todos foram demitidos). Um dia, Carolina pega Alex e a filha na cama. O mega-empresário conta tudo para Carolina, que fica arrasada. Devastada com o fato de a filha estar se deitando com o marido, a mãe de Angel se suicida com um tiro na cabeça. Era a segunda vez que Carolina era traída pelo cônjuge. A primeira vez que isso aconteceu foi com o pai de Angel, que tinha uma amante e até uma filha com ela. Quase todos suspeitavam dos reais motivos que levaram ao suicídio de Carolina, mas nada nunca foi provado de fato e tudo ficou por isso mesmo. Com a consciência pesada pela morte da mãe, Angel dispara vários tiros em Alex em uma viagem a dois para o litoral. A jovem joga o corpo de Alex no mar, que nunca foi encontrado e conta a uma versão falsa para a morte do magnata, versão esta que convence a polícia. No fim, Angel e Guilherme (Gabriel Leone) se casam. A família tradicional brasileira não tolera LGBTs, mas não vê problema algum no fato de o padrasto dormir com a enteada.
     Verdades Secretas passou a ser exibida e não demorou muito para que Alex se tornasse um dos personagens mais populares da trama. Logo no primeiro capítulo, o bumbum de Rodrigo Lombardi (ator que interpretou Alex Ticiano) aparece na trama, repercutindo nas redes sociais. Este fato se repetiu várias vezes e sempre que Alex protagonizava uma cena de sexo, a unternet ia à loucura. Rodrigo Lombardi não é feio e, desta forma, muitas telespectadoras desejaram estar no lugar de Angel ou de qualquer outra mulher com quem Alex se deitou. Teve mulheres que até desejaram fazer book rosa para realizarem tal desejo. Como já dito, Alex é um dos personagens mais populares de Verdades Secretas e o Hugo Gloss, que fazia resumos cômicos do folhetim após cada capítulo do mesmo, passou a se referir a Alex Ticiano como RajGrey. O Raj era o personagem que Rodrigo havia interpretado em Caminho das Índias (2009), um dos personagens mais populares de sua carreira (na mesma época que Verdades Secretas era exibida, o Vale a Pena Ver de Novo reprisava Caminho das Índias). Já o Grey era por causa do Christian Grey, um dos personagens principais da saga 50 Tons de Cinza. Isso porque haviam semelhanças entre o Alex Ticiano e o Christian Grey. Sem dúvidas, Walcir Carrasco se inspirou em Christian para compor Alex. A pergunta que fica no ar é a seguinte: como um personagem com o perfil aqui descrito conseguiu ser tão popular?

Conclusão

     O fato de Alex Ticiano ser um dos personagens mais populares de Verdades Secretas revela que ele é o perfil de macho que a sociedade espera: rico, bonito, viril e sedutor; tendo relações com várias mulheres diferentes, mas sem jamais se apaixonar pelas mesmas. Vale destacar que mesmo sendo comprometido, Alex continuava tendo relações com outras mulheres. Aquelas que desejavam Alex Ticiano estavam reproduzindo todos estes valores machistas. Entretanto, se por um lado haviam jovens que desejavam Alex Ticiano, haviam aquelas que sentiam repulsa pelo mesmo, reprovando o perfil de Alex em textos na rede e em rodas de conversa. 

06/03/2017

Carlos Lacerda: um direitista inteligente

Carlos Lacerda. Imagem: Reprodução.


   Carlos Lacerda (1914-1977) foi um jornalista e político brasileiro. Foi membro da União Democrática Nacional (UDN), vereador (1945), deputado federal (1947-1955) e governador do estado da Guanabara (1960-1965). Foi fundador da Tribuna da Imprensa e criador da Editora Nova Fronteira. Carlos Lacerda era um opositor político de direita e ele tinha um diferencial que até hoje faz diferença na esfera política: sua bagagem intelectual.
      Lacerda teve atuação fundamental na crise política que culminou no suicídio do então Presidente da República Getúlio Vargas em 1954 e foi também peça chave na crise que culminou na deposição do então presidente João Goulart e na implantação de um golpe civil-militar que durou 21 anos. A oposição de Carlos Lacerda não consistia em ir às ruas, fazer manifestações ou algo do tipo. O instrumento que Lacerda usava para fazer oposição era a caneta. Com seu grande talento para a escrita aliada à sua inteligência, Carlos Lacerda escrevia textos ácidos de oposição ao governo vigente. Foi assim com Getúlio Vargas (1882 - 1954). Durante todo o segundo mandato de Getúlio Vargas, Carlos Lacerda se uniu a militares intervencionistas e a partidos oposicionistas em um esforço para derrubar o então presidente Vargas. Isso era feito por meio de acusações feitas que publicava no seu jornal Tribuna da Imprensa.


Carlos Lacerda é carregado por policiais após atentado. Este episódio aprofundou ainda mais a crise política que o Brasil vivia na época,culminando na morte de Getúlio Vargas, em 1954. Imagem: Reprodução.

     A rivalidade política entre Carlos Lacerda e o então presidente Getúlio Vargas se acirrou ainda mais após o primeiro sofrer um atentado. Lacerda levou um tiro de raspão no pé na porta do prédio onde residia, na rua Toneleiro, no começo de agosto de 1954, quando voltava de uma palestra. Neste mesmo atentado o major da aeronáutica Rubens Vaz morre. O major era membro de um grupo de jovens oficiais que protegiam Lacerda diante das ameaças que o mesmo vinha recebendo. Atingido por um tiro de raspão em um dos pés, Carlos Lacerda foi levado para um hospital e lá mesmo acusou os seguranças do Palácio do Catete (até então a sede do poder executivo) de serem os mandantes do crime. A pressão da mídia e a comoção pública levaram o governo a investigar o atentado. Não demorou muito e a oposição passou a usar o atentado para tornar a crise política existente ainda mais aguda. Os autores do crime foram presos e os mesmos confessaram o envolvimento do chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato e do irmão do presidente, Benjamim Vargas. O então presidente foi informado de que havia indícios que provavam que havia membros da Guarda no atentado. Quase 20 dias depois, com o agravamento da crise política e a pressão das Forças Armadas para que renunciasse, Getúlio Vargas se suicida no dia 24 de agosto de 1954. O suicídio reverteu a opinião pública e provocou uma grande onda de comoção e revolta. Este fato obrigou Lacerda e parte de seu grupo a deixar o país. Na época, milhares de pessoas tomaram as ruas e quebraram jornais ligados à oposição. Carlos Lacerda participou de uma nova tentativa de Golpe de Estado em 1955, quando se uniu aos militares e a direita udenista a fim de impedir a eleição e a posse do então presidente eleito Juscelino Kubitschek e seu vice, João Goulart.

Da esquerda para a direita: João Goulart, Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek.  Lacerda procurou os então adversários políticos para criar uma frente de oposição ao regime. Entretanto, o projeto foi abortado com o endurecimento da ditadura. Imagem: Reprodução.

     Carlos Lacerda não conseguiu depor Kubitschek, mas conseguiu, junto com alguns setores da sociedade, a depor João Goulart depois que este foi eleito Presidente da República. Lacerda foi um dos principais articuladores do golpe civil - militar de 1964. Entretanto, voltou-se contra ele dois anos depois, após o mandato do então presidente Castelo Branco ter sido prorrogado. Segundo Lacerda, a prorrogação do mandato de Castelo Branco levaria o recém instalado governo "revolucionário" a se consolidar em uma ditadura permanente. Lacerda procurou superar as diferenças políticas e se uniu a Goulart e Kubitschek para criar a Frente Ampla, movimento de resistência a ditadura. Entretanto, teve seu mandato cassado pelo regime em fins de 1968, quando a ditadura se tornou ainda mais severa. Foi preso e ficou na mesma cela que Mário Lago, seu antigo companheiro dos tempos de PCB, com quem não falava há décadas. Faleceu em 1977 vítima de um infarto. O fato de três líderes da Frente Ampla terem morrido em datas próximas (Goulart faleceu em 1976, vítima de um infarto e Juscelino Kubitschek morrem também em 1976, em um acidente automobilístico) levou algumas a pessoas a pensarem que tais mortes estavam relacionadas, fato que nunca foi comprovado.
     A atuação de Carlos Lacerda ocorreu em um período em que o mundo vivia uma época de extrema polarização, conhecido como Guerra Fria, onde os EUA e a URSS disputavam a hegemonia mundial. Era uma época de extrema dicotomia, ou você  era  de esquerda (URSS) ou você era de direita (EUA). Dessa forma, é compreensível que algumas pessoas vissem o comunismo em tudo. Inclusive foi para "proteger o Brasil do comunismo" que Goulart foi deposto e uma ditadura imposta. Entretanto, o tempo passou, Carlos Lacerda partiu deste mundo e muita gente ainda continua a ver o comunismo em tudo. Já disseram que o filme Tropa de Elite é um instrumento usado para difamar a imagem da Polícia Militar, já disseram que o projeto Escola Sem Partido deve ser colocado em prática para acabar com a doutrinação de esquerda que as crianças vem sofrendo e já disseram também que Lula e Dilma vieram para implantar um regime comunista. Os opositores ignoram a complexidade  do atual quadro político e fala que tudo é comunismo. Um argumento fraco e vazio que nem sempre convence a maioria da direita. Opositores com a bagagem intelectual de Carlos Lacerda fazem falta no país.

Conclusão

     Quer ser de direita? Seja. Seja também humano, respeitoso, ético e não fale sem saber. Não haja como essa direita tupiniquim que o Brasil tem atualmente. Uma direita ignorante, cheia de ódio, que lida com política como quem lida com futebol, que baseia suas opiniões em frases fora  de contexto e que, na falta de argumentos, parte para o lado pessoal, ofendendo o adversário político. Ao invés de se pautar basicamente na moral e nos bons costumes e de "infiltração do comunismo", pense em um novo modelo de país. 

01/03/2017

O fim trágico que acompanha os filmes com temática LGBT

Jack Twist (Jake Gyllenhaal, de chapéu preto) e Ennis Del Mar (Heath Ledger) em cena do longa O Segredo de Brokeback Mountain (2005). Os protagonistas não terminam juntos. Imagem: Reprodução.

     No mundo afora são produzidos incontáveis filmes com temática LGBT. Eles são ambientados em lugares, tempos e protagonizados por pessoas diferentes. Entretanto, parece que há algo em comum entre todos estes filmes: o casal protagonista não termina junto e o longa não possui final feliz.
     A imagem que abre este filme é uma cena do filme O Segredo de Brokeback Mountain (2005). O longa é uma adaptação do romance de Annie Prouxl e é protagonizado por Jack Twist (Jake Gyllenhaal) e Ennis Del Mar (Heath Ledger), dois jovens vaqueiros que se conhecem no começo da década de 1960 enquanto trabalhavam juntos no pastoreamento de ovelhas na fictícia montanha de Brokeback, que dá nome ao filme. O longa relata o relacionamento emocional e sexual dos protagonistas ao longo de 18 anos. Jack e Ennis se amam verdadeiramente, mas a sociedade em que vivem é extremamente homofóbica, o que se torna um impasse para os dois viverem juntos. Jack está disposto a enfrentar tudo e todos, mas Ennis não e há um agravante nessa história: Ennis convive com a traumática memória de infância em que um suspeito de ser homossexual é torturado e morto em sua cidade natal. Ao longo do filme, Jack e Ennis se casam e cada um constrói sua família, fato que serve como mais uma desculpa para Ennis, que não quer viver com Jack porque não quer abandonar a familia. Após um tempo se encontrando e vivendo vidas duplas, Ennis fica sabendo que Jack faleceu. A esposa de Jack explica para Ennis que o marido morreu por conta de pneu que explodiu em sua face. Entretanto, são apresentados ao espectador imagens de um Jack sendo atacado por três homens, sugerindo um ataque homofóbico. No fim da história, Ennis termina sozinho e convivendo com o remorso de nunca ter tido coragem de viver ao lado do grande amor de sua vida. 

Ned Weeks (Mark Ruffalo, à esquerda) e Felix Turner (Matt Bommer, à direita) em cena de The Normal Hearth  (2014). O longa é uma ficção que mostra como os EUA reagiu a epidemia de AIDS. Imagem: Reprodução.

     The Normal Hearth (2014) é um filme de ficção e que já foi adaptado para o teatro. Era a década de 1980 e o movimento gay, que havia surgido anos antes, já estava consolidado. A liberdade sexual era o discurso do momento, até vim uma doença em forma de epidemia e acabar com tudo. Era a AIDS. A doença foi chamada de "câncer gay" por atingir de início majoritariamente o público homossexual e por ter por sintoma inicial um tipo de câncer de pele raro. A doença, que até então não tinha nome, não era tratada com a devida atenção pelos profissionais da saúde e pelo governo. É neste cenário que surge Ned Weeks (Mark Ruffalo), um homem que defende uma postura mais radical com relação ao combate à doença. Seu posicionamento radical faz com que o mesmo se torne uma pessoa indesejada pelas autoridades e pelos amigos. Ned se apaixona por Felix (Matt Bommer) e passam a viver juntos. A beleza do talentoso Matt Bommer foi bastante explorada nesse filme e a cena de sexo protagonizada por ele e por Mark Ruffalo é muito bonita. Tudo parecia estar indo bem, até Felix descobrir que tem AIDS e morrer. Ned termina o filme sozinho. Outro filme que tem a AIDS como tema é Holding The Man (2015), que é baseado em uma história real e tem Tim Conigrave (Ryan Corr) e John Caleo (Craig Stott) como protagonistas. Tim e John se apaixonam ainda nos tempos de colégio e desde então passam a ter uma união estável. John e Tim descobrem que são portadores do vírus da AIDS e acabam morrendo, no início dos anos 1990, com diferença de aproximadamente dois anos entre a morte de um e outro.

Capa do curta-metragem norte-americano Starcrossed: o amor contra o destino (2005). Imagem: Reprodução. 

     Você que está lendo este texto pode supor que os filmes até aqui citados possuem um fim trágico porque abordam uma época em que a união entre pessoas do mesmo sexo era um tabu, sendo punível na prática com a pena de morte. Entretanto, filmes que são ambientados temporalmente na atualidade reproduzem a tragédia que costuma cercar filmes com temática LGBT. O poster acima é do curta-metragem Starcrossed: o amor contra o destino (2005). O curta conta a história de Darren (J. B. Ghuman Jr.) e Connor (Marshall Allman), dois rapazes que foram criados como irmãos (Connor era adotado) em uma família intolerante e em uma vizinhança puritana. Os jovens percebem que o que sentem um pelo outro vai além de um amor entre dois irmãos. Incapazes de esconderem essa atração e não suportando o ambiente em que vivem, os jovens decidem fugir e, acreditando que este mundo não é capaz de compreender o amor que sentem um pelo outro, os jovens se matam. Há algumas semelhanças entre esse curta-metragem e o filme brasileiro Do Começo ao Fim (2009) e uma delas é a paixão que nasce entre os irmãos. A diferença principal entre ambos os filmes é que o segundo tem final feliz. Do Começo ao Fim conta a história de Francisco (Lucas Cotrim/ João Gabriel Vasconcellos) e Thomás (Gabriel Kaufmann/ Rafael Cardoso), dois meio-irmãos filhos de Julieta (Júlia Lemmertz). Os meninos cresceram em um ambiente amoroso e tiveram a oportunidade de conhecerem outras pessoas. Mesmo assim, desde crianças, eles sempre nutriram um carinho mútuo. Com a morte da mãe, Alexandre (Fábio Assunção), o pai de Thomás, percebe a forte atração entre os jovens e resolve sair da casa onde morou com a falecida esposa. O amor entre os jovens é consumado, rendendo um belo final feliz. Do Começo ao Fim é um filme bem dirigido, com ótimos atores e ótimo texto. Por outro lado, ele é extremamente polêmico ao abordar de uma única vez incesto e homossexualidade. As semelhanças entre Starcrossed: o amor contra o destino e Do Começo ao Fim levam algumas pessoas a acreditarem que o diretor do segundo filme se inspirou no primeiro.

Francisco (João Gabriel Vasconcellos, à esquerda) e Thomás (Rafael Cardoso) em cena do longa Do Começo ao Fim (2009). Imagem: Aluizio Abranches. 

     Outro filme contemporâneo com temática LGBT cujo fim é trágico é o longa nacional Invisibilia (2015) (assista aqui). A história é centrada em dois rapazes de classes sociais distintas que precisam enfrentar o preconceito de dentro e de fora da família para viverem o amor que sentem um pelo outro. O filme tem um texto extremamente clichê, personagens mal desenvolvidos e falhas graves no roteiro. No final, um dos rapazes, filho de uma evangélica intolerante, é morto por um outro rapaz que perseguia homossexuais. Arrependida por ter desprezado o filho gay, a mãe evangélica decide cuidar do namorado do filho como seu próprio filho. O filme possui um final alternativo, onde os jovens protagonistas vivem juntos. Outra coisa em comum entre os filmes LGBTs é que os protagonistas vivem momentaneamente um amor intenso e verdadeiro antes da tragédia que se aproxima. É como se experimentassem o amor verdadeiro antes de morrerem.

A temática LGBT na televisão


Tobias (Cleiton Morais, à esquerda) e Lauro (Marcelo Argenta, à direita) em cena da novela Êta Mundo Bom (2016). Imagem: Reprodução.


     O modo como os LGBTs são retratados na televisão é bem diferente do que ocorre no cinema. Na maioria dos casos, os casais homoafetivos terminam juntos em um verdadeiro final feliz. Entretanto, a temática LGBT não é aprofundada nas telinhas. Os casais gays se parecem mais dois amigos do que um casal: eles nunca se beijam e nem se abraçam. Isso acontece para não incomodar a ordem patriarcal vigente que só tolera relacionamentos heterossexuais. A televisão vive nesta "prisão" porque é um meio que atinge um número muito grande de pessoas, fazendo com que grupos sociais como cristãos fundamentalistas influenciem direta ou indiretamente a televisão, refletindo na audiência de um programa. Além disso, grandes empresas compram horários na televisão para vender seus produtos, fazendo com que alguns programas sejam reféns dos mesmos, que não querem ver suas marcas associadas a determinados temas, embora este comportamento esteja mudando de forma gradual. O mesmo não acontece no cinema, que é uma arte mais livre e independente. Por outro lado, dependendo da temática abordada, o filme pode ter mais ou menos recursos e consequentemente mais ou menos visibilidade. É importante lembrar que beijos e carinhos entre casais gays estão se tornando comum na televisão, mesmo de forma tímida. Já teve até cena de sexo na televisão que foi protagonizada por dois homens (veja aqui).
     A imagem acima postada é uma cena da novela Êta Mundo Bom (2016). Lauro (Marcelo Argenta) era um médico que estava comprometido com Emma (Maria Zilda Bethlem). No último capítulo da novela, Lauro chega para a então namorada e diz que "não é um homem como os outros". Sem fazer escândalos, Emma aceita a situação e completa: "Eu entendo muito bem, Lauro. É um amor que não ousa dizer o nome". Em seguida, Lauro convida o alfaiate Tobias para jantar e ambos terminam juntos e felizes. Desde o início da trama que as cenas dos personagens davam a entender que eles eram homossexuais. A relação dos dois foi mostrada de forma discreta, onde o telespectador percebeu facilmente que eles formaram um casal. Outros casais homoafetivos da televisão que tiveram final feliz foram Thales (Armando babaioff) e Julinho (André Arteche) de Ti Ti Ti (2010), Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) de Amor à Vida (2013), Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller) de Em Família (2014), Sérgio (Cláudio Lins) e Ivan (Marcello Melo Jr.) de Babilônia (2015), Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg) também de Babilônia (2015), Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli) de Mulheres Apaixonadas (2003), Jenifer (Bárbara Borges) e Mylla Christie de Senhora do Destino (2004) e Sandro (André Gonçalves) e Jeferson (Lui Mendes) de A Próxima Vítima (1995). É importante ressaltar que, assim como no cinema, há na televisão casais gays que não tiveram final feliz.

Conclusão

     Uma possível interpretação para o fato de os filmes com temática LGBT serem trágicos está no fato de historicamente os gays  serem perseguidos, fazendo com que os mesmos não fossem felizes e não conseguissem viver ao lado da pessoa amada. Esta explicação serve para os filmes LGBTs que retratam uma época em que ser gay era um tabu para a sociedade. Os anos se passaram e a coisa não mudou muito. LGBTs são mortos mundo a fora e o Brasil lidera esse ranking. Gradativamente e com muito esforço, os LGBTs tem conquistado seus direitos, podendo ser feliz ao lado de quem se ama. Diante deste cenário e partindo do fato de que as produções artísticas são frutos da época em que foram produzidas, quem sabe os futuros filmes LGBTs não terminam com um final feliz? 
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