Cenas da novela Xica da Silva, exibida pela extinta Rede Manchete entre os de 1996 e 1997. Imagem: Reprodução. |
No dia 17 de setembro de 1996 era exibida pela primeira vez na televisão o primeiro capítulo da novela Xica da Silva, que foi exibida pela extinta Rede Manchete. O último capítulo da novela foi ao ar no dia 11 de agosto de 1997. Nove anos mais tarde, a novela foi reexibida no SBT, entre março e dezembro de 2005.
O ano era 1996 e a Rede Manchete já dava sinais de crise que culminariam em sua falência, três anos depois. Em setembro deste mesmo ano, ia ao ar o primeiro capítulo de Xica da Silva. Escrita por Walcyr Carrasco (que usou o pseudônimo de Adalmo Rangel, pois era contratado do SBT na época e aceitou escrever a novela às escondidas), a novela é ambientada na Minas Gerais do século XVIII, período em que o Brasil era colônia de Portugal e onde a extração de ouro e demais metais preciosos estavam no auge no Brasil. Xica da Silva (Taís Araújo) é a filha que a escrava Maria (Zezé Motta) teve com o contratador Felisberto Caldeira Brant (Reynaldo Gonzaga), seu então senhor. O então contratador pretendia vender Xica e sua mãe para o bordel do Jacobino (Altair Lima). Para se vingar, a escrava se alia a Quiloa (Maurício Gonçalves) e juntos roubam a arca com diamantes que deveriam ser entregues à Coroa Portuguesa. Na procura pelos culpados, Emerenciana Caldeira Brant (Khristel Byancco), esposa de Felisberto, obriga Xica a falar a verdade e como a escrava se negava, a mesma pôs um ovo quente na boca de Xica, que ficou com sérios ferimentos e impossibilitada de falar. Sem ter como pagar os tributos à Coroa, o Comendador e a esposa são condenados à prisão e vão para Portugal a fim de cumprir a pena. Martin (Murilo Rosa), Clara (Adriane Galisteu) e Paulina (Maria Clara Mattos), os filhos do Comendador, ficam na completa ruína e permanecem na colônia, procurando refazer suas vidas.
Xica e a mãe são vendidas para o Sargento Cabral (Carlos Alberto). O sargento é pai de Violante (Drica Moraes), que está noiva de João Fernandes de Oliveira (Victor Wagner). Em uma visita à prometida, João Fernandes se apaixona por Xica e a compra, desfazendo seu noivado com Violante. Xica e o contratador passam a viver como um casal. Entretanto, como a sociedade era extremamente racista, Xica tem de enfrentar o racismo e a oposição a todo instante, principalmente por parte de Violante, a grande vilã da história e que não se conforma em ter sido trocada pela escrava. Muito esperta, Xica se cerca de todo o luxo e riqueza que a fortuna do contratador pode dar e impõe respeito e medo a todos. Conhecendo o comportamento libidinoso do marido, Xica pune severamente todas as mulheres que se envolvem com o contratador. A escrava arranca os dentes de uma, os lábios de outra, as orelhas de outra, a cabeça de outra e coloca um sapo na comida de uma outra.
Xica e João Fernandes possuem uma relação turbulenta e de idas e vindas. No fim da trama, Violante arma e acusa Xica de bruxaria para a Inquisição com base em falsas provas. Vendo que o contratador não tinha como salvar Xica, Violante impõe uma condição: João Fernandes deveria se casar com ela e assim ela tira a acusação de bruxaria que recai sobre Xica. Violante e João Fernandes partem para Portugal e lá se casam. Entretanto, o casamento não é consumado e João Fernandes deixa Violante presa em um castelo, cercada de luxo e riqueza, mas longe de sua família e sem o seu amor, condenada a viver assim para sempre e sem nunca ter tido relações com um homem. Se passam cerca de 20 anos e Xica da Silva (agora interpretada por Zezé Motta. Vale lembrar que a atriz já havia interpretado Xica da Silva em filme homônimo de Cacá Diegues, em 1976) é uma mulher idosa, caseira e que tem uma vida bastante confortável. Do fruto de sua união com o contratador, Xica teve dois filhos, um menino que se torna padre e Joana (Taís Araújo), que no último capítulo da novela se casa com um importante homem da região. Os fidalgos, que antes tinham repulsa à Xica, agora estavam entrando para sua família.
Assim como as novelas da extinta Rede Manchete, principalmente as de época, Xica da Silva usou o realismo e o erotismo para obter sucesso e conseguiu. A novela teve uma imensa repercussão e a Rede Manchete, que se encontrava em crise, ganhou um pouco mais de vida. Nas primeiras semanas de exibição da novela, a mesma foi notificada pela Vara da Infância e do Adolescente do Rio de Janeiro por apresentar Taís Araújo, que na época tinha 17 anos, em cenas sensuais. A Rede Manchete acatou as ordens e um tempo depois, Taís Araújo completou 18 anos de idade e após uma semana, a novela exibe uma cena em que Xica toma banho nua enquanto o contratador a observa de longe. A cena foi exibida em um momento em que o contratador conta como conheceu a escrava, se apaixonando por ela e a comprando do Sargento Cabral. Além disso, as cenas de tortura e os rituais de bruxaria de D. Benvinda (Miriam Pires) possuíam extremo realismo. Sem dúvidas, a cena que ficou na memória dos telespectadores foi a que a escrava Maria é atada a quatro cavalos e esquartejada no momento em que os cavalos corriam ao ouvir o som de tiros. A escrava Maria era quem intermediava armas com o Capitão-mor (Eduardo Dusek) em troca de diamantes. O capitão se recusa a seguir o acordo e a escrava o mata à facadas. Com isso, a mãe de Xica é condenada à morte.
Xica da Silva fez um enorme sucesso no Brasil e também no exterior. A novela foi exibida em diversos países, como por exemplo: Portugal, Rússia, Bolívia, Porto Rico, Panamá, Paraguai, Guatemala, Chile, República Dominicana, Angola, Venezuela, Equador, Honduras, Nicarágua, Argentina, Colômbia, Peru e Estados Unidos. Graças ao sucesso de Xica da Silva, Taís Araújo fez uma participação especial como ela mesma na novela Betty, a Feia, exibida no Brasil pela RedeTV! no ano de 2002.
Violante: a grande antagonista da novela
Como já dito acima, Violante era filha do Sargento Cabral e estava prometida à João Fernandes de Oliveira, o contratador que chegou à colônia a fim de substituir Felisberto Caldeira Brant. O então novo contratador se apaixona por Xica e a compra, desfazendo o noivado com Violante. Amargurada, Violante passa a perseguir Xica e o contratador incansavelmente, rendendo cenas épicas que envolviam agressões verbais e até físicas.
Violante era uma mulher que se tornou amargurada que usava a religião para punir as pessoas à sua volta e a si mesma. Desta forma, Violante se uniu à Igreja, comprou um escravo para abusar da madrasta, tentou muitas vezes (até conseguir) separar Xica e João Fernandes e torceu para que Das Dores fosse enforcada, dentre muitas outras coisas. Violante era uma personagem complexa que tinha texto, história e que dava a Drica Moraes a possibilidade de exercer seu grande talento. Drica não fez feio e o que se viu foi um verdadeiro show de interpretação por parte desta atriz de talento monstruoso. Como era uma criança na época em que Xica da Silva foi exibida pela primeira vez, eu só assisti a novela quando ela foi reprisada no SBT, em 2005. Na época em que o SBT reprisava a novela, a Rede Globo exibia no horário das seis a novela Alma Gêmea, também escrita por Walcyr Carrasco. Nesta novela, Drica fazia a cômica Márcia, mulher que dizia ter "sangue azul" e que relutava em se entregar ao amor que sentia por Vitório (Malvino Salvador). Márcia e Violante eram personagens extremamente diferentes e que eram interpretadas pela mesma pessoa, mostrando o grande talento e a versatilidade de Drica Moraes. É como dizem por aí: "ator bom troca de personagem como quem troca de roupa".
A real Chica da Silva
Xica da Silva, ou melhor: Chica da Silva foi uma mulher que de fato existiu, mas a sua vida não foi da forma como a novela aqui analisada mostrou. Pelo contrário. Chica da Silva era filha de Antônio Caetano de Sá, homem branco português que em 1726 ocupava o cargo de capitão das ordenanças de Bocaina, Três Cruzes e Itatiaia, Distritos de Vila Rica. Chica herdou a condição de escrava da mãe, Maria da Costa, uma africana que veio de uma região onde hoje se situam o Benin e a Nigéria. Chica foi registrada no Arraial do Milho Verde, no município de Serro Frio, atual Serro, Minas Gerais.
Na juventude, Chica foi escrava do Sargento-mor português Manuel Pires Sardinha, proprietário de lavras no Arraial do Tijuco. Neste período, teve com ele um filho de nome Simão Pires Sardinha (que teve uma participação não esclarecida na Inconfidência Mineira, se tornou um nobre e amigo de D. João VI), nascido em 1751. O registro de batismo da criança não revela a paternidade da mesma, mas Manuel Pires Sardinha lhe deu alforria e o nomeou como um de seus herdeiros no testamento e por isso o uso do mesmo sobrenome.
No ano de 1754, João Fernandes de Oliveira chega ao Arraial do Tijuco para assumir a função de contratador dos diamantes. No mesmo ano, Chica da Silva foi adquirida ou alforriada (não se tem certeza) pelo novo contratador, passando a viver juntos, embora nunca tenham se casado oficialmente. Com João Fernandes, Chica da Silva teve treze filhos durante os quinze anos em que viveram juntos, foram praticamente um por ano. Foram quatro meninos e nove meninas, todos registrados pelo contratador João Fernandes. Tal fato aconteceu em uma época em que os filhos bastardos de homens brancos e escravas eram registrados sem o nome do pai. Vale lembrar que a casa em que Chica da Silva viveu com João Fernandes e os filhos atualmente é um museu que fica na Praça Lobo de Mesquita, número 266, centro de Diamantina, Minas Gerais.
É importante frisar também que a união entre Chica (uma negra) e João Fernandes (um homem branco) não foi um caso isolado na Minas Gerais do século XVIII. Isso porque nesta região e neste mesmo período não havia muitas pessoas brancas. Desta forma, as relações inter-raciais era algo comum, mesmo o Brasil sendo um país que escravizava os negros.
A união de Chica e João Fernandes durou cerca de 15 anos. Ambos se separaram em 1770, quando João Fernandes de Oliveira retornou para Portugal a fim de receber a fortuna deixada pelo pai, que havia falecido. Ao partir, João Fernandes levou consigo os quatro filhos homens e o filho que Chica teve antes de conhecer-lo. Em Portugal, os filhos de Chica receberam educação superior, ocuparam postos importantes na administração do Reino e receberam títulos de nobreza. Já Chica da Silva permaneceu no Arraial do Tijuco com as suas filhas mulheres e a posse das propriedades deixadas pelo marido, garantindo a Chica e suas filhas uma vida confortável. Suas filhas receberam uma educação que se dava às jovens da elite local daquela época, sendo enviadas para o Recolhimento de Macaúbas, em Santa Luzia, Minas Gerais. Neste recolhimento, as filhas de Chica aprenderam a fazer tricô, foram letradas e receberam também instrução musical. Dali, só saíram em idade de se casar, embora algumas tenham seguido a vida religiosa.
Mesmo sendo uma concubina, Chica da Silva alcançou prestígio na sociedade local e usufruiu das regalias que eram dadas somente às senhoras brancas. Na época, as pessoas costumavam se associar às irmandades religiosas de acordo com a sua posição social. Chica da Silva pertencia às irmandades de São Francisco e do Carmo, que eram exclusivas de pessoas brancas e também pertenceu às irmandades das Mercês (composta por mulatos) e do Rosário (composta por negros). Este fato prova que Chica da Silva tinha condições suficientes para realizar doações para quatro irmandades diferentes, sendo aceita como parte da elite local composta majoritariamente por brancos e mantendo laços sociais com negros por meio de irmandades. Chica da Silva faleceu em 1796 e como era o costume da época, tinha o direito de ser sepultada dentro da igreja de qualquer uma das quatro irmandades a qual fazia parte. Chica foi sepultada dentro da igreja de São Francisco de Assis, igreja que pertencia a mais importante irmandade local. Este fato mostra que Chica mantinha a condição social mais alta, mesmo muitos anos depois da partida de João Fernandes para Portugal.
A real Chica da Silva foi uma mulher que viveu de acordo com as convenções sociais de sua época e que até foi aceita como parte da elite local do Arraial do Tijuco. Não se deve olhar Chica da Silva (ou qualquer outro personagem ou fato histórico) com o olhar de hoje ou então associar uma imagem que não lhe cabe. Chica da Silva deve ser estudada dentro de sua época e com o olhar de sua época.
Conclusão
O excelente texto de Walcyr Carrasco, a excelente direção de Walter Avancini, os altos investimentos da falecida Rede Manchete e o elenco excelente fazem de Xica da Silva a melhor novela do Brasil de todos os tempos na humilde opinião deste blogueiro que vos escreve. É fato que a novela apresenta algumas falhas, principalmente com relação ao modo como Xica é apresentada na trama. Por outro lado, a novela não poupou no realismo ao mostrar como vivia a sociedade do Arraial do Tijuco do século XVIII. Desta forma, e com algumas ressalvas, a novela Xica da Silva pode ser usada para estudar o período em que a extração de ouro e pedras preciosas estavam em seu apogeu no Brasil.
O ano era 1996 e a Rede Manchete já dava sinais de crise que culminariam em sua falência, três anos depois. Em setembro deste mesmo ano, ia ao ar o primeiro capítulo de Xica da Silva. Escrita por Walcyr Carrasco (que usou o pseudônimo de Adalmo Rangel, pois era contratado do SBT na época e aceitou escrever a novela às escondidas), a novela é ambientada na Minas Gerais do século XVIII, período em que o Brasil era colônia de Portugal e onde a extração de ouro e demais metais preciosos estavam no auge no Brasil. Xica da Silva (Taís Araújo) é a filha que a escrava Maria (Zezé Motta) teve com o contratador Felisberto Caldeira Brant (Reynaldo Gonzaga), seu então senhor. O então contratador pretendia vender Xica e sua mãe para o bordel do Jacobino (Altair Lima). Para se vingar, a escrava se alia a Quiloa (Maurício Gonçalves) e juntos roubam a arca com diamantes que deveriam ser entregues à Coroa Portuguesa. Na procura pelos culpados, Emerenciana Caldeira Brant (Khristel Byancco), esposa de Felisberto, obriga Xica a falar a verdade e como a escrava se negava, a mesma pôs um ovo quente na boca de Xica, que ficou com sérios ferimentos e impossibilitada de falar. Sem ter como pagar os tributos à Coroa, o Comendador e a esposa são condenados à prisão e vão para Portugal a fim de cumprir a pena. Martin (Murilo Rosa), Clara (Adriane Galisteu) e Paulina (Maria Clara Mattos), os filhos do Comendador, ficam na completa ruína e permanecem na colônia, procurando refazer suas vidas.
Xica e a mãe são vendidas para o Sargento Cabral (Carlos Alberto). O sargento é pai de Violante (Drica Moraes), que está noiva de João Fernandes de Oliveira (Victor Wagner). Em uma visita à prometida, João Fernandes se apaixona por Xica e a compra, desfazendo seu noivado com Violante. Xica e o contratador passam a viver como um casal. Entretanto, como a sociedade era extremamente racista, Xica tem de enfrentar o racismo e a oposição a todo instante, principalmente por parte de Violante, a grande vilã da história e que não se conforma em ter sido trocada pela escrava. Muito esperta, Xica se cerca de todo o luxo e riqueza que a fortuna do contratador pode dar e impõe respeito e medo a todos. Conhecendo o comportamento libidinoso do marido, Xica pune severamente todas as mulheres que se envolvem com o contratador. A escrava arranca os dentes de uma, os lábios de outra, as orelhas de outra, a cabeça de outra e coloca um sapo na comida de uma outra.
Xica e João Fernandes possuem uma relação turbulenta e de idas e vindas. No fim da trama, Violante arma e acusa Xica de bruxaria para a Inquisição com base em falsas provas. Vendo que o contratador não tinha como salvar Xica, Violante impõe uma condição: João Fernandes deveria se casar com ela e assim ela tira a acusação de bruxaria que recai sobre Xica. Violante e João Fernandes partem para Portugal e lá se casam. Entretanto, o casamento não é consumado e João Fernandes deixa Violante presa em um castelo, cercada de luxo e riqueza, mas longe de sua família e sem o seu amor, condenada a viver assim para sempre e sem nunca ter tido relações com um homem. Se passam cerca de 20 anos e Xica da Silva (agora interpretada por Zezé Motta. Vale lembrar que a atriz já havia interpretado Xica da Silva em filme homônimo de Cacá Diegues, em 1976) é uma mulher idosa, caseira e que tem uma vida bastante confortável. Do fruto de sua união com o contratador, Xica teve dois filhos, um menino que se torna padre e Joana (Taís Araújo), que no último capítulo da novela se casa com um importante homem da região. Os fidalgos, que antes tinham repulsa à Xica, agora estavam entrando para sua família.
Assim como as novelas da extinta Rede Manchete, principalmente as de época, Xica da Silva usou o realismo e o erotismo para obter sucesso e conseguiu. A novela teve uma imensa repercussão e a Rede Manchete, que se encontrava em crise, ganhou um pouco mais de vida. Nas primeiras semanas de exibição da novela, a mesma foi notificada pela Vara da Infância e do Adolescente do Rio de Janeiro por apresentar Taís Araújo, que na época tinha 17 anos, em cenas sensuais. A Rede Manchete acatou as ordens e um tempo depois, Taís Araújo completou 18 anos de idade e após uma semana, a novela exibe uma cena em que Xica toma banho nua enquanto o contratador a observa de longe. A cena foi exibida em um momento em que o contratador conta como conheceu a escrava, se apaixonando por ela e a comprando do Sargento Cabral. Além disso, as cenas de tortura e os rituais de bruxaria de D. Benvinda (Miriam Pires) possuíam extremo realismo. Sem dúvidas, a cena que ficou na memória dos telespectadores foi a que a escrava Maria é atada a quatro cavalos e esquartejada no momento em que os cavalos corriam ao ouvir o som de tiros. A escrava Maria era quem intermediava armas com o Capitão-mor (Eduardo Dusek) em troca de diamantes. O capitão se recusa a seguir o acordo e a escrava o mata à facadas. Com isso, a mãe de Xica é condenada à morte.
Xica da Silva fez um enorme sucesso no Brasil e também no exterior. A novela foi exibida em diversos países, como por exemplo: Portugal, Rússia, Bolívia, Porto Rico, Panamá, Paraguai, Guatemala, Chile, República Dominicana, Angola, Venezuela, Equador, Honduras, Nicarágua, Argentina, Colômbia, Peru e Estados Unidos. Graças ao sucesso de Xica da Silva, Taís Araújo fez uma participação especial como ela mesma na novela Betty, a Feia, exibida no Brasil pela RedeTV! no ano de 2002.
Violante: a grande antagonista da novela
Drica Moraes na pele de Violante, a grande antagonista de Xica da Silva. Imagem: Reprodução. |
Como já dito acima, Violante era filha do Sargento Cabral e estava prometida à João Fernandes de Oliveira, o contratador que chegou à colônia a fim de substituir Felisberto Caldeira Brant. O então novo contratador se apaixona por Xica e a compra, desfazendo o noivado com Violante. Amargurada, Violante passa a perseguir Xica e o contratador incansavelmente, rendendo cenas épicas que envolviam agressões verbais e até físicas.
Violante era uma mulher que se tornou amargurada que usava a religião para punir as pessoas à sua volta e a si mesma. Desta forma, Violante se uniu à Igreja, comprou um escravo para abusar da madrasta, tentou muitas vezes (até conseguir) separar Xica e João Fernandes e torceu para que Das Dores fosse enforcada, dentre muitas outras coisas. Violante era uma personagem complexa que tinha texto, história e que dava a Drica Moraes a possibilidade de exercer seu grande talento. Drica não fez feio e o que se viu foi um verdadeiro show de interpretação por parte desta atriz de talento monstruoso. Como era uma criança na época em que Xica da Silva foi exibida pela primeira vez, eu só assisti a novela quando ela foi reprisada no SBT, em 2005. Na época em que o SBT reprisava a novela, a Rede Globo exibia no horário das seis a novela Alma Gêmea, também escrita por Walcyr Carrasco. Nesta novela, Drica fazia a cômica Márcia, mulher que dizia ter "sangue azul" e que relutava em se entregar ao amor que sentia por Vitório (Malvino Salvador). Márcia e Violante eram personagens extremamente diferentes e que eram interpretadas pela mesma pessoa, mostrando o grande talento e a versatilidade de Drica Moraes. É como dizem por aí: "ator bom troca de personagem como quem troca de roupa".
A real Chica da Silva
João Fernandes (Victor Wagner) e Xica (Taís Araújo) em Xica da Silva. Imagem: Reprodução. |
Xica da Silva, ou melhor: Chica da Silva foi uma mulher que de fato existiu, mas a sua vida não foi da forma como a novela aqui analisada mostrou. Pelo contrário. Chica da Silva era filha de Antônio Caetano de Sá, homem branco português que em 1726 ocupava o cargo de capitão das ordenanças de Bocaina, Três Cruzes e Itatiaia, Distritos de Vila Rica. Chica herdou a condição de escrava da mãe, Maria da Costa, uma africana que veio de uma região onde hoje se situam o Benin e a Nigéria. Chica foi registrada no Arraial do Milho Verde, no município de Serro Frio, atual Serro, Minas Gerais.
Na juventude, Chica foi escrava do Sargento-mor português Manuel Pires Sardinha, proprietário de lavras no Arraial do Tijuco. Neste período, teve com ele um filho de nome Simão Pires Sardinha (que teve uma participação não esclarecida na Inconfidência Mineira, se tornou um nobre e amigo de D. João VI), nascido em 1751. O registro de batismo da criança não revela a paternidade da mesma, mas Manuel Pires Sardinha lhe deu alforria e o nomeou como um de seus herdeiros no testamento e por isso o uso do mesmo sobrenome.
No ano de 1754, João Fernandes de Oliveira chega ao Arraial do Tijuco para assumir a função de contratador dos diamantes. No mesmo ano, Chica da Silva foi adquirida ou alforriada (não se tem certeza) pelo novo contratador, passando a viver juntos, embora nunca tenham se casado oficialmente. Com João Fernandes, Chica da Silva teve treze filhos durante os quinze anos em que viveram juntos, foram praticamente um por ano. Foram quatro meninos e nove meninas, todos registrados pelo contratador João Fernandes. Tal fato aconteceu em uma época em que os filhos bastardos de homens brancos e escravas eram registrados sem o nome do pai. Vale lembrar que a casa em que Chica da Silva viveu com João Fernandes e os filhos atualmente é um museu que fica na Praça Lobo de Mesquita, número 266, centro de Diamantina, Minas Gerais.
É importante frisar também que a união entre Chica (uma negra) e João Fernandes (um homem branco) não foi um caso isolado na Minas Gerais do século XVIII. Isso porque nesta região e neste mesmo período não havia muitas pessoas brancas. Desta forma, as relações inter-raciais era algo comum, mesmo o Brasil sendo um país que escravizava os negros.
A união de Chica e João Fernandes durou cerca de 15 anos. Ambos se separaram em 1770, quando João Fernandes de Oliveira retornou para Portugal a fim de receber a fortuna deixada pelo pai, que havia falecido. Ao partir, João Fernandes levou consigo os quatro filhos homens e o filho que Chica teve antes de conhecer-lo. Em Portugal, os filhos de Chica receberam educação superior, ocuparam postos importantes na administração do Reino e receberam títulos de nobreza. Já Chica da Silva permaneceu no Arraial do Tijuco com as suas filhas mulheres e a posse das propriedades deixadas pelo marido, garantindo a Chica e suas filhas uma vida confortável. Suas filhas receberam uma educação que se dava às jovens da elite local daquela época, sendo enviadas para o Recolhimento de Macaúbas, em Santa Luzia, Minas Gerais. Neste recolhimento, as filhas de Chica aprenderam a fazer tricô, foram letradas e receberam também instrução musical. Dali, só saíram em idade de se casar, embora algumas tenham seguido a vida religiosa.
Mesmo sendo uma concubina, Chica da Silva alcançou prestígio na sociedade local e usufruiu das regalias que eram dadas somente às senhoras brancas. Na época, as pessoas costumavam se associar às irmandades religiosas de acordo com a sua posição social. Chica da Silva pertencia às irmandades de São Francisco e do Carmo, que eram exclusivas de pessoas brancas e também pertenceu às irmandades das Mercês (composta por mulatos) e do Rosário (composta por negros). Este fato prova que Chica da Silva tinha condições suficientes para realizar doações para quatro irmandades diferentes, sendo aceita como parte da elite local composta majoritariamente por brancos e mantendo laços sociais com negros por meio de irmandades. Chica da Silva faleceu em 1796 e como era o costume da época, tinha o direito de ser sepultada dentro da igreja de qualquer uma das quatro irmandades a qual fazia parte. Chica foi sepultada dentro da igreja de São Francisco de Assis, igreja que pertencia a mais importante irmandade local. Este fato mostra que Chica mantinha a condição social mais alta, mesmo muitos anos depois da partida de João Fernandes para Portugal.
A real Chica da Silva foi uma mulher que viveu de acordo com as convenções sociais de sua época e que até foi aceita como parte da elite local do Arraial do Tijuco. Não se deve olhar Chica da Silva (ou qualquer outro personagem ou fato histórico) com o olhar de hoje ou então associar uma imagem que não lhe cabe. Chica da Silva deve ser estudada dentro de sua época e com o olhar de sua época.
Conclusão
O excelente texto de Walcyr Carrasco, a excelente direção de Walter Avancini, os altos investimentos da falecida Rede Manchete e o elenco excelente fazem de Xica da Silva a melhor novela do Brasil de todos os tempos na humilde opinião deste blogueiro que vos escreve. É fato que a novela apresenta algumas falhas, principalmente com relação ao modo como Xica é apresentada na trama. Por outro lado, a novela não poupou no realismo ao mostrar como vivia a sociedade do Arraial do Tijuco do século XVIII. Desta forma, e com algumas ressalvas, a novela Xica da Silva pode ser usada para estudar o período em que a extração de ouro e pedras preciosas estavam em seu apogeu no Brasil.
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