01/04/2016

Carnaval no Brasil: origens humildes, presente gloriso

*O presente texto foi escrito por mim para um concurso. Se fosse aprovado, o texto seria publicado em uma importante revista de História (deixarei o nome da revista em questão no anonimato). Entretanto, não foi isso o que aconteceu. Tentei publicar o texto em outras revistas de História, mas não consegui e por isso resolvi publicar o mesmo aqui. Não entendam esta minha atitude de publicar tal texto como um "tapa buraco", uma vez que ainda não publiquei um texto aqui. Um novo texto já está sendo escrito e logo será publicado.



Uma breve história do Carnaval no país


 
Aquarela de Augustus Earle mostrando a prática do entrudo no Rio de Janeiro. Imagem: Reprodução.
            A história do carnaval no Brasil começou quando o país era colônia de Portugal. Uma das primeiras comemorações carnavalescas foi o entrudo, festa de origem portuguesa e que no Brasil era praticada por escravos. Os mesmos saíam pelas ruas com seus rostos pintados e jogavam nas pessoas farinha e bolinhas de água de cheiro que nem sempre eram cheirosas. Estas bolinhas podiam conter água perfumada ou líquidos mal cheirosos. Além disso, jogava-se em quem estivesse passando ovos e pós de diversas substâncias em várias quantidades, podendo causar incidentes sérios. Todos eram alvo dos foliões, mesmo quem não gostasse das brincadeiras. Por isso, o entrudo era considerado uma prática ofensiva e violenta, mas tinha forte apelo popular. Talvez seja este o porquê das famílias abastadas não participarem da festa junto com os escravos, ficando em suas respectivas casas. Porém, o entrudo era praticado dentro destas residências entre a família e os convidados, onde a diversão era jogar água de cheiro nas janelas vizinhas. Além disso, as moças de família rica ficavam nas janelas jogando água em quem passasse.
            Em meados do século XIX no Rio de Janeiro a prática do entrudo passou a ser criminalizada depois de uma campanha contra a manifestação popular divulgada pela imprensa. Ao passo que o entrudo era reprimido nas ruas da cidade, a elite do Império criava os bailes de carnaval em clubes e teatros. Não havia músicas no entrudo, ao contrário dos bailes da capital imperial, onde eram tocadas principalmente as polcas, dança popular vinda da República Tcheca. A elite do Rio de Janeiro criaria ainda as sociedades, cuja primeira foi o Congresso das Sumidades Carnavalescas, que passou a desfilar pelas ruas da cidade. Enquanto o entrudo era reprimido, a alta sociedade tentava tomar as ruas.
            No final do século XIX, tentando se adaptar a disciplina imposta pela polícia, as camadas populares criaram os cordões e os ranchos. Os cordões utilizavam a estética das procissões religiões com manifestações populares, como por exemplo, a capoeira e os zé-pereiras, responsáveis por tocarem grandes bumbos. Já os ranchos eram cortejos praticados essencialmente por pessoas oriundas do campo.
            Também surgiram no século XIX as marchinhas de Carnaval, cuja representante mais famosa é Chiquinha Gonzaga, bem como sua obra prima O Abre-alas. Já o samba surgiu por volta de 1910 com a música Pelo Telefone, de autoria de Donga e Mauro de Almeida, se tornando com o passar do tempo o legítimo representante musical do carnaval carioca. Foi também por volta da década de 1910 que surgiram os corsos, que com carros conversíveis da elite carioca desfilavam pela Avenida Central, atual Avenida Rio Branco. Tal prática durou aproximadamente até a década de 1930.

O surgimento das escolas de samba

            Na década de 1920, surgem as escolas de samba, cujas origens se encontram em morros, favelas e bairros humildes da cidade do Rio de Janeiro, onde os moradores são majoritariamente negros que carregavam a herança da escravidão (a mesma havia sido abolida em 1888). As primeiras escolas de samba teriam sido a 'Deixa Falar', que mais tarde daria origem à escola 'Estácio de Sá e a 'Vai Como Pode', futura 'Portela'.  As escolas de samba eram o desenvolvimento dos cordões e ranchos anteriormente criados pelas classes populares. Os desfiles das escolas de samba se desenvolveram e se viram obrigados a se enquadrar no autoritarismo do então Presidente Getúlio Vargas (Vargas se tornou Presidente da República em 1930, permanecendo até 1945. Retornaria em 1950 e se suicidaria quatro anos depois).
            O carnaval carioca e as escolas de samba passaram a se tornar atividades lucrativas a partir da década de 1960. Diante disso, a prefeitura da cidade passou a colocar arquibancadas ao longo da Avenida Rio Branco e a cobrar ingresso para quem quisesse assistir aos desfiles. Vinte e quatro anos depois, no mandato do então governador Leonel Brizola (falecido em 2004), foi criada no Rio de Janeiro a Passarela do Samba (popularmente conhecida como Sambódromo). Com um desenho realizado pelo já falecido Oscar Niemeyer, a edificação se tornou um dos maiores símbolos do carnaval brasileiro.
            As escolas de samba passaram a ser patrocinadas por empresários do ramo das atividades ilícitas, como o tráfico, as milícias e principalmente o jogo do bicho. Nos últimos 40 anos, os bicheiros tomaram conta das escolas e transformaram os desfiles. Castor de Andrade, à frente da 'Mocidade Independente de Padre Miguel', Anísio Abraão David, à frente da 'Beija-Flor' e Luiz Pacheco Drumond, à frente da 'Imperatriz Leopoldinense', investiram muito dinheiro e conseguiram muitas coisas, como sair da clandestinidade para as coberturas da Zona Sul carioca, área nobre da cidade do Rio de Janeiro. Mesmo operando na ilegalidade, estas pessoas nunca foram incomodadas pela Justiça. De vez em quando um deles é preço com grande repercussão na mídia, finge que se aposenta e coloca um testa de ferro em seu lugar.
            Frisando que a origem do dinheiro que financia as escolas de samba é diversa. A Rede Globo de Televisão paga pelos direitos exclusivos de exibição do desfile. Existe ainda uma verba da Prefeitura, outra do Estado e outra do Governo Federal. Arrecada-se dinheiro também com bilheterias, cujos ingressos para ter acesso ao camarote exclusivo, que é coberto e com buffet durante os dias de desfile podem chegar a R$120,000.00. Em 2010, R$42 milhões foram divididos entre as doze agremiações do grupo especial.
            O patrocínio do enredo das escolas de samba levaram as mesmas a falarem de cerveja, companhia aérea, Hugo Chávez, Portugal, cacau, cabelo e até revista. As escolas de samba não prestam conta e ninguém se mostra interessado em mexer nisso.
            Em 2012, Marcelo Freixo, então candidato a prefeito da cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL, declarou que a Secretaria Municipal de Cultura deveria assumir o controle do financiamento e transferir recursos caso fosse necessário. A liga das escolas de samba reagiu imediatamente com uma espécie de “Manifesto a favor da plena liberdade de expressão”.  Políticos que costumam marcar presença no Sambódromo classificaram a iniciativa como “autoritária” e “dirigista”. A proposta foi abafada e ninguém mais fala sobre este assunto.

Beija-Flor e o patrocínio polêmico

Carro alegórico em desfile da Beija-Flor do ano de 2015. Este mesmo desfile foi extremamente luxuoso e garantiu o título de campeã para a escola em questão. Esta mesma escola de samba causou polêmica ao receber patrocínio de um ditador, mas os críticos se esquecem que historicamente a contravenção é quem financia o carnaval carioca. Foto: André Luiz Mello.


            A escola de samba 'Beija-Flor de Nilópolis', campeã do carnaval carioca do ano de 2015, causou polêmica ao apresentar um samba enredo relacionado à Guiné Equatorial, país situado na parte ocidental do continente africano. O nome do samba feito para homenagear Teodoro Obiang Nguema, “presidente” da Guiné há 35 anos, é 'Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial'.
            Nguema gosta do carnaval carioca e é presença constante na Marquês de Sapucaí, avenida onde se encontra o Sambódromo. Segundo a revista Forbes, é o oitavo governante mais rico do mundo, apesar do país que governa ser um dos mais pobres. Observadores nacionais e internacionais consideram o governo de Teodoro Obiang Nguema como um regime corrupto, opressivo e etnocêntrico. Além disso, há apenas um partido na Guiné Equatorial. O jornalista dos EUA Peter Maas classificou Obiang como “o pior ditador da África”. Nguema é comparado muitas vezes com Idi Amin Dada, ditador militar que governou a Uganda entre 1971 e 1979 e que teve seu governo marcado por violações de direitos humanos, repressão, perseguição, assassinatos, favoritismo, corrupção e má administração da economia. Assim como Idi Amin, Nguema espalhou boatos de que era canibal para aterrorizar seus opositores. A escola de samba não confirma, mas grandes portais de notícias afirmam que a 'Beija-Flor' teria recebido em torno de R$10 milhões para arcar com os custos do desfile.
            Em resposta a toda esta polêmica, a 'Beija-Flor' disse a BBC Brasil: “Lamentamos a tentativa de relacionar este enredo com outros já apresentados pela 'Beija-Flor de Nilópolis'. O tema tem viés estritamente cultural e não aborda o formato de governo do país” e continuou: “Buscamos enaltecer a arte e a força do povo da Guiné Equatorial. Bem como a transformação dos benefícios das suas riquezas naturais em melhorias para a população”.
            Polêmicas à parte, o fato é que a 'Beija-Flor' entrou na Passarela do Samba com um desfile extremamente luxuoso e foi justamente com este enredo polêmico que a escola foi campeã do carnaval carioca pela 13ª vez.

Carnaval: uma oportunidade lucrativa

Jennifer Lopez posa ao lado de Deborah Secco para foto no camarote da Brahma, no carnaval carioca de 2012. A atriz e cantora teria recebido R$ 4 milhões para assistir aos desfiles das escolas de samba no camarote da Brahma. Foto: Francisco Silva/AgNews. 

            O carnaval é uma tradição cultural brasileira e milhares de turistas chegam ao Rio de Janeiro na época de realização desta festa, movimentando positivamente a economia. No Carnaval 2015, segundo a Riotur (Secretaria Municipal de Turismo), a cidade do Rio de Janeiro recebeu 977 mil turistas, gerando ao município a receita de R$2,2 bilhões. Desta forma, o carnaval se tornou um negócio lucrativo para o turismo e para o entretenimento. Com isso, muitos artistas, celebridades e empresas veem no carnaval a possibilidade de lucrarem um pouco mais.
            Em 2012, a cantora Jennifer Lopez recebeu a quantia de R$ 4 milhões para assistir aos desfiles das escolas de samba no camarote da Brahma. No ano seguinte, esta mesma marca de cerveja desembolsou a quantia de R$ 4,7 milhões para Megan Fox assistir aos desfiles no seu camarote. Já Paolla Oliveira, bastante elogiada pelo corpo escultural que exibiu na microssérie 'Felizes Para Sempre?', cobra R$ 35 mil para comparecer em algum camarote e/ou festas de carnaval e o galã Thiago Lacerda cobra R$ 60 mil para o mesmo fim. Se tem gente que pede dinheiro, tem também quem gaste dinheiro com esta festa. O preço da fantasia que Sabrina Sato usou no Carnaval 2015 para sair à frente da bateria da 'Grande-Rio' custou aproximadamente R$60 mil. Já o preço da fantasia de Antonia Fontenelle, que desfilou na mesma escola, custou R$ 40 mil. A fantasia de Antonia era um hot pants de predaria, um sutiã também de predaria e um costeiro com penas de faisão que pesavam entre 15 kg e 20 kg. Já Carol Narizinho, musa da Beija-Flor de Nilópolis, optou por um short-saia, peça leve e discreta que lhe permite colocar correntes, paetês e outros adereços. A fantasia custou R$ 4.000, 00, barata em comparação às fantasias de Sabrina Sato e Antonia Fontenelle.
            Não se engane: o dinheiro investido nas fantasias de carnaval não é em vão. Todo este investimento traz retornos, que vão desde contratos publicitários a presença vip em vários eventos.

Conclusão

            O carnaval do Rio de Janeiro se tornou uma indústria extremamente lucrativa e muita gente lucra com esta festa. Anualmente milhares de turistas chegam à cidade para apreciar o carnaval mais famoso do planeta. O povo, principalmente a população negra, que antes tinham uma forte atuação dentro das escolas de samba, teve a sua participação bastante reduzida ao longo dos anos. E esta população, que antes era protagonista dos desfiles, agora assiste a tudo sentada na arquibancada popular da passarela do samba (que custa R$10,00, a meia-entrada é R$5,00) ou então chegam cedo a Marquês de Sapucaí para garantir um assento na arquibancada popularmente conhecida como ‘0800’ por sua gratuidade. Desta arquibancada não dá para ver os desfiles, mas pelo menos é possível ver os imponentes carros alegóricos entrando no sambódromo.



Bibliografia:

Links:





Livro:

- ARAÚJO, Isnard; FILHO, Antônio Candeia. Escolas de samba: a árvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro: Lidador: SEEC. 1978. 91p. 

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