14/11/2015

O falacioso discurso da preservação da água no Brasil

Represa do Jaguari-Jacareí, em Bragança Paulista, que faz parte do sistema Cantareira, em São Paulo. Nos lugares onde a terra aparece rachada era onde a água se fazia presente em outros tempos. Foto: Zanone Fraissat/Folhapress.

     Desde o começo de 2014 que a região sudeste vive um período de secas extremamente sério. Por isso, na TV, nas redes sociais. nos outdoors e em pontos de ônibus há campanhas em prol da economia de água. Além disso, os jornais constantemente fazem reportagens que ensinam a população a reaproveitar a água. Mas e o agronegócio e as indústrias, eles também não estão racionando e/ou reutilizando a água que usam?

Seca no sudeste brasileiro

     Em 2014, o estado de São Paulo mergulhou em uma das piores (senão a pior) secas de sua história. Por causa disso, casas ficaram dias sem água, levando a população a reservar água dentro de suas residências. Vale observar que esta situação aconteceu no interior do estado. Na capital de São Paulo, por exemplo, a estiagem quase não foi sentida. Uma amiga  minha foi a São Paulo e perguntei se ela havia encontrado a seca. Em resposta, ela disse que não. Um outro amigo meu está morando na capital do estado desde o começo do ano. Perguntei como ele estava lidando com a seca. Em resposta, ele disse que não está sentindo a mesma. Isso acontece porque neste período de racionamento severo de água, a capital do estado não sente os efeitos do mesmo. Porém, a mesma coisa não se pode dizer das cidades do interior, onde a população tem que fazer reserva de água  e apelar para caminhões pipa. A capital tem prioridade porque é nela em que se encontram as indústrias, o comércio, as fábricas e as empresas; setores econômicos que movem a economia do estado. Além disso, parte da elite paulista (e até mesmo brasileira) moram na capital. Como as cidades do interior não abriga tais setores que movem a economia e muito menos é habitada pela high society, as mesmas tendem a ser esquecidas.
      A seca no estado de São Paulo ainda é uma realidade longe de acabar. O tempo passou e o Rio de Janeiro também conheceu a seca, fazendo com que o nível da Lagoa Rodrigo de Freitas diminuísse, dando lugar a grandes barrancos. Além disso, as lagoas do Bosque da Barra também passaram por situação semelhante. Em São Gonçalo, Niterói, na Ilha de Paquetá e em Itaboraí (municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro) a estiagem é severa e tem transformado a rotina dos moradores. O sistema formado pelos rios Guapiaçu e Macuco produz 6.200 litros/segundo de água, mas a demanda é muito maior. Em Xerém, distrito de Duque de Caxias, município do estado do Rio de Janeiro, é possível caminhar onde outrora havia água. No município de Cardoso Moreira, o Muriaé atingiu 20 centímetros, o menor nível da história. Em Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro, a prefeitura proibiu a lavagem de carros e calçadas para evitar o desperdício. Quem desobedecer poderá pagar uma multa de até R$ 3.000. Também falta água em Petrópolis, na Região Serrana do Estado, resultando em plantas secas e solo rachado.

Rio Doce seca em área que liga  Colatina a Linhares. Foto: Luciane Ventura/A Gazeta.

      A seca chegou também no Espírito Santo, fazendo com que o Rio Jucu (que fica em Vila Velha, Vitória, capital do estado) não encontre mais o mar, como acontecia anteriormente. Além disso, o Rio Doce, que também fica  no município de Colatina, alcançou um nível de apenas 3 centímetros. Neste mesmo município, os rios e córregos que abastecem os distritos de Baunilha, Ponte do Pancas, São José do Cantão, Paul de Graça Aranha e São Salvador secaram. O abastecimento destas regiões é feito com carros-pipa. Em Minas Gerais, o caso é mais severo, já que a estiagem fez com que 113 cidades do estado decretassem estado de emergência. Em cidades da Região Norte do estado a economia é movida pela agropecuária e a estiagem está fazendo com que produtores rurais passem por dificuldades. Enfim, a seca é uma realidade no sudeste brasileiro. 

A falaciosa campanha da preservação da água

Ilustração mostra a quem é destinada a maior quantidade de água. Créditos na imagem. 

     Como dito acima, na TV, nas redes sociais e nos jornais há uma verdadeira campanha pedindo a sociedade para economizar água. Se deve reconhecer que é uma campanha magnifica e que envolve até artistas. Entretanto, é tudo muito superficial. Observem a figura acima, que mostra a distribuição da água na sociedade. Apenas 6% da água é destinada ao consumo residencial, já a indústria consome 22% de toda a água, ao passo que o agronegócio consome 72% da água! Segundo a figura, em 2013 o agronegócio consumiu 200 TRILHÕES de litros de água! 200 vezes o sistema cantareira cheio!
     Agora, mais do que nunca, a população civil precisa aprender a usar a água conscientemente. Porém, por mais que as pessoas cuidem da água, elas estão cuidando de uma pequena parte de um bem extremamente precioso, já que a menor quantidade de água é destinada ao consumo residencial. A crise hídrica é um problema muito maior do que todos nós. Em fevereiro deste ano, a Carta Capital fez uma reportagem mostrando que a SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) incentiva os grandes clientes a consumirem água, uma atitude no mínimo inusitada por conta do período de estiagem que o estado de São Paulo vive. Quanto mais água gastar, menos irá pagar. É assim que funciona o contrato feito entre a SABESP e os grandes clientes. Ainda segundo a Carta Capital, os três maiores clientes da SABESP são: Manikrafit, Agro Nippo Produtos Alimentícios e Tinturaria Pari.
      Do que adianta a população economizar água se o governo incentiva justamente o contrário?

Descaso com os recursos hídricos

     Desde o começo de 2014 que o estado de São Paulo vive a pior estiagem de sua história. Com o passar do tempo, a estiagem também se estendeu aos estados de Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. O que se vê são uma quantidade de chuvas reduzidas e rios e reservatórios secando; em outros tempos, havia água em todos estes lugares. Uma quantidade enorme de água não desapareceria de uma hora para outra. Desta forma, supõe-se que a seca vivida pela região sudeste do país é uma tragédia anunciada. Com isso, algumas perguntas ficam sem respostas: porque os governantes não avisaram que um período severo de estiagem estava chegando? Porque muitos fingiram não ver? Porque as atitudes para com a água não foram revistas? Avisos de que São Paulo estava caminhando em direção a uma crise hídrica existem desde 2001. Em julho deste mesmo ano, Antônio Carlos de Mendes Thame, secretário de Recursos Hídricos, reconheceu a possibilidade de um colapso no Cantareira em entrevista a Folha de S. Paulo. Em 2003, com Geraldo Alckmin no governo do estado de São Paulo e com o Cantareira e o Alto Cotia funcionando no limite de suas capacidades, a mesma Folha de S. Paulo anunciava: "Por limites naturais e falta de políticas eficientes, São Paulo só atende demanda por água até 2010". Na mesma época havia sido estabelecido um rodízio de água que durou dois meses e afetou 440.000 pessoas. Nenhuma novidade, uma vez que a medida havia sido adotada com diferentes intensidades em 1969, 1985, 2000 e 2001. Em 2009, com José Serra no governo do estado de São Paulo, o governador foi informado detalhadamente das fragilidades do sistema e do risco de uma "guerra de água"entre algumas regiões, "motivada pelo aumento da demanda em um ano atípico de chuvas". Em relatório encomendado pela Secretaria de Meio Ambiente, a contribuição de mais de 200 especialistas perfilou um cenário de crise de abastecimento na bacia do Alto Tietê na primeira década do século XXI e que em 2015 atingiria a Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), a doadora do Sistema Cantareira. O que se pode concluir é que não faltaram avisos da chegada de uma estiagem, mas os mesmos foram ignorados.
      Se engana quem pensa que a crise hídrica vivida pelos estados da região sudeste do Brasil é causada por causa da pouca água existente na região. Nesta região existe água em abundância, mas a mesma não é devidamente cuidada. Voltando a falar do estado de São Paulo, como é possível o mesmo viver uma crise hídrica se o Rio Tietê corta praticamente todo o estado? É fato que ele está poluído, mas porque ele está poluído? Porque não foi elaborado um plano para despoluir o rio, bem como preservar o mesmo? Outro estado da região sudeste que tem atravessado uma crise hídrica é o Rio de Janeiro. Em outrubro deste ano, o jornal O Dia publicou uma reportagem online que dizia que a poluição condenou a morte de 70 dos 77 rios dos rios da cidade do Rio de Janeiro, ou seja: 70 rios não possuem oxigênio e suas águas não podem ser usadas para consumo humano. Como pode o estado do Rio de Janeiro estar vivendo um período de estiagem se 77 rios cortam a cidade? Pior ainda: dos 77 rios existentes, como é possível 70 estarem condenados a morte?
      Não se enganem: há água na região sudeste, mas a mesma não é cuidada como deveria ser.

Conclusão

     A estiagem vivida pelos quatro estados da região sudeste não é uma obra do acaso e nem fruto do esquecimento de São Pedro, que não mandou chuvas. A estiagem que paira sobre a região é fruto da ação dos governantes, que durante anos agiram com descaso para com a água e o Meio Ambiente em geral. Além disso, o verdadeiro discurso de preservação do Meio Ambiente passa pela crítica ao capitalismo, uma vez que o sistema capitalista em sua essência precisa consumir desenfreadamente os recursos naturais para sua manutenção. O discurso do Meio Ambiente que não critica o modo de produção das indústrias e nem o agronegócio tende a ser superficial e falacioso. 

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