05/06/2018

Sócrates: o futebolista politizado

Sócrates (1954 - 2011) na Copa do Mundo de 1986. Imagem: Reprodução. 

     Sócrates (1954 - 2011), também conhecido pelos apelidos de "Doutor Sócrates", "Calcanhar de Ouro" e "Magrão", foi um jogador que fez história no futebol brasileiro e também no futebol mundial. Se formou em medicina, mas se consagrou como futebolista. Entretanto, o Calcanhar de Ouro não é conhecido somente pelo seu talento com a bola: não tem como falar em Sócrates e não citar a sua atividade política.

Raí ao lado de Sócrates. Assim como o irmão, Raí fez carreira no futebol. Imagem: Reprodução.

     Sócrates foi um jogador de  futebol nascido no Brasil que deixou sua marca no futebol brasileiro e também no futebol mundial. Sócrates é considerado um dos maiores ídolos do Corinthians, ao lado de Luisinho (1930 - 1998), Claudio (1922 - 2000), Roberto Rivelino, Marcelinho Carioca, Neto e Baltazar (1926 - 1997). Sócrates é considerado também, ao lado do irmão Raí e de Zé Mário (1957 - 1978), um dos maiores ídolos do Botafogo de Ribeirão Preto. Foi eleito no ano de 1983 o melhor jogador sul-americano do ano e incluído na FIFA, no ano de 2004, na lista dos 125 melhores jogadores vivos da história. Além disso, Sócrates já foi considerado pela mídia especializada como um dos grandes jogadores de todos os tempos. Em 2015, o jornal britânico The Guardian elegeu Sócrates como um dos seis esportistas mais inteligentes da história. E detalhe: Sócrates é o único jogador de futebol da lista. Para entrar na lista em questão, o jornal levou em consideração os currículos que extrapolaram campos e quadras, tendo uma atuação notória em suas respectivas áreas e fora delas. Vale destacar também que, além de jogador de futebol, Sócrates se formou em medicina, já foi técnico de futebol, articulista, comentarista esportivo, escritor, cantor e ator.

Sócrates (á direita, com microfone em punho) participando do movimento político chamado Diretas Já, no ano de 1984, em São Paulo (SP). Imagem: Reprodução. 

     Entretanto, a forte militância política de Sócrates marcou a trajetória do mesmo, dentro e fora dos campos. Se Sócrates é conhecido por sua clara militância política de esquerda, fique sabendo que nem sempre foi assim. Os colegas de Sócrates dos tempos em que o mesmo cursava Medicina afirmam que no período em que se preparava para ser médico, Sócrates não mostrava interesse quando o assunto era política. Em parte, isso se explica pelo fato de Sócrates vim de uma família conservadora, do interior, já era jogador de futebol, era casado e tinha um filho. Desta forma, não sobrava muito tempo para estudar sobre política. Entretanto, as coisas começaram a mudar quando o jogador veio para São Paulo. São Paulo era (e ainda é) uma cidade grande, onde Sócrates pôde conhecer a política de modo mais profundo, além de ter mais tempo livre. Assim como com qualquer militante de esquerda, Sócrates não adquiriu a visão de mundo que todos conheceram de uma hora para outra, muito pelo contrário. Pode parecer contraditório e até mesmo inimaginável, mas nos anos 1970, Sócrates chegou a dar algumas declarações onde elogiava o regime militar então vigente no Brasil. Além disso, o jogador chegou a declarar em 1976 que futebol e política nunca deveriam se misturar. Ainda neste contexto, o Doutor, em 1979, quando jogava no Corinthians, deu nota 10 ao general Figueiredo (1918 - 1999), último militar a governar o Brasil no período ditatorial de 1964 - 1985. Porém, a mudança no pensamento político de Sócrates foi acontecendo aos poucos. Neste longo percurso, o jogador leu muito, estudou bastante, conversou com várias pessoas e fez amizade com o jornalista Juca Kfouri e com Adilson Monteiro Alves, que foi um dos criadores da Democracia Corintiana. Juca e Adilson ajudaram Sócrates a aprofundar a sua visão política.

Sócrates nos tempos em que era jogador do Corinthians. Na foto, ele aparece com o punho erguido, sinal que ele fazia sempre quando fazia um gol. Imagem: Reprodução. 

     Foi na década de 1980, quando Sócrates já tinha uma forte veia política de esquerda e quanto também manifestações pedindo o fim da ditadura tomaram conta do país que surgiu a chamada Democracia Corinthiana. Tal movimento surgiu no ano de 1982 e foi liderada por Sócrates, Casagrande, Wladimir, Zenon e Adilson Monteiro Alves. É considerado o maior movimento ideológico da história do futebol brasileiro. Foi um período na história do Corinthians onde as contratações, regras de concentração, direito ao consumo de bebida alcoólica em público e liberdade para expressar opiniões sobre política por exemplo, eram decididas através do voto igualitário dos membros do clube. O voto do técnico, por exemplo, tinha o mesmo peso que o voto de um funcionário e/ou jogador. Os frutos desta autogestão foram muito bons. O Corinthians conquistou o campeonato paulista em 1982 e em 1983. Além disso, neste mesmo período, o clube quitou todas as suas dívidas, deixando para o próximo período uma boa quantia em dinheiro. Entretanto, o movimento em questão chegou ao fim em 1984. Os maus resultados obtidos pelo Corinthians em 1984, o "futebol moderno" vindo da Europa, trazendo consigo meios privados e gerenciais de gestão de clubes fizeram com que a Democracia Corinthiana chegasse ao fim. Tentaram voltar com o movimento no fim dos anos 1980, mas o mesmo não tinha a força de outrora. Além disso, o futebol estava mudando. A FIFA (Federação Internacional de Futebol ou Federação Internacional de Futebol Associação), a UEFA (União das Federações Europeias de Futebol) e a Copa do Mundo de 1990 ditavam as regras (e ainda ditam, pelos menos a FIFA e a UEFA) do "novo futebol mundial". Vale citar também que Sócrates, um dos fundadores da Democracia Corinthiana e que na época já era um nome forte no futebol, saiu do Brasil para jogar no Fiorentina, principal clube de futebol da cidade italiana de Florença. Devido a tudo isso, as possibilidades de retomarem com a Democracia Corinthiana foram descartadas.
     Sócrates foi um jogador de futebol que usava sua fama e influência para defender abertamente as pautas políticas na qual acreditava. Entretanto, Sócrates foi praticamente uma exceção. Em livro autobiográfico, o futebolista criticou a postura apolítica da geração de Pelé no auge da Ditadura Civil-Militar Brasileira, nos anos 1960. Ainda em sua autobiografia, Sócrates disse que o futebol não poderia passar indiferente acerca do que acontecia no mundo, pois o país estava em "uma situação de guerra civil em busca da derrocada do regime que nos sufocava", diz trecho da autobiografia do jogador. O exemplo positivo citado por Sócrates em seu livro autobiográfico é João Saldanha (1917 - 1990), comunista convicto que treinava a seleção brasileira até 1969, quando deixou o comando técnico por conta de uma divergência com Emílio Médici (1905 - 1985), então Presidente da República. "Imaginem se no momento de sua derrubada seus comandados tivessem reagido e afrontado a decisão que veio de cima? Ou mesmo se um único atleta como Pelé houvesse se manifestado de forma clara contra todos os desmandos que atacavam a nossa juventude?", escreve Sócrates, indagando como teria sido se os jogadores se opusessem à ordem de Médici. Para quem não sabe, João Saldanha (também conhecido como João Sem Medo) era um comunista declarado no auge da ditadura. Os militares que estavam no poder achavam uma afronta uma pessoa de esquerda estar em um posto tão importante. Para piorar ainda mais a situação, João Saldanha não aceitou a interferência do governo militar em sua escalação, fato que resultou em sua demissão às vésperas da Copa do Mundo de 1970. Quem o substituiu foi Zagallo, recordista de títulos das Copas do Mundo em geral. "Ele (Médici) escala o ministério, eu convoco a seleção", respondeu Saldanha a uma pergunta de um repórter sobre o pedido de Médici, que assim como João Saldanha, era gremista, para convocar o atacante Dario, o Dadá Maravilha, que na época jogava no Atlético Mineiro. Duas semanas depois de ter dado esta resposta atrevida, João foi demitido da seleção e foi substituído por Zagallo.

Neymar comemora com a medalha de ouro na boca depois da vitória do Brasil sobre a Alemanha, nas Olimpíadas de 2016. Reparem no que está escrito na faixa: "100% Jesus". Imagem: Reprodução. 

     Se nos tempos em que Sócrates era jogador, já era difícil encontrar uma pessoa como ele, que não tinha medo de expor suas convicções políticas, hoje isso é algo ainda mais difícil. Nos últimos tempos, o jogador de futebol se tornou uma verdadeira celebridade. Ele empresta seu nome e imagem para marcas gigantes de roupas, calçados, cremes de beleza e automóveis por exemplo. Além disso, estes atletas recebem salários milionários de seus clubes. Por conta disso, falar abertamente de política, independente da visão ideológica que se tenha, se torna uma hipótese descartada. Isso porque política é um assunto delicado e isso pode causar polêmica, desagradando os patrocinadores e até mesmo o próprio clube. Por outro lado, se tem uma coisa que os jogadores de futebol não têm medo de esconder é a sua religiosidade. Eles oram diversos momentos dentro e fora de campo e agradecem a Deus caso obtenham vitória em uma partida. A quantidade de jogadores evangélicos (praticantes ou não) cresceu muito desde 2000 para cá. Entretanto, os futebolistas só manifestam a sua fé se a entidade na qual acreditam é o Deus do cristianismo. Pouco ou nada se vê de jogadores que atribuem a sua vitória dentro de campo a Alá, a Oxalá ou a Xangô por exemplo. Só vale agradecer publicamente a uma entidade superior se a mesma for uma figura central do cristianismo?

Conclusão

     Sócrates foi um jogador de futebol fenomenal que fez história, dentro e fora de campo. Ele usou sua influência para defender abertamente as pautas que ele considerava justas. Atualmente, poucos são os jogadores de futebol que se atrevem a fazer isso, pois os mesmos estão presos a inúmeros contratos publicitários e patrocinadores, que não querem ver suas marcas envolvidas em polêmicas. Com isso, muitos acabam escolhendo o silêncio. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...