26/06/2018

Precisamos falar sobre a pouca presença de técnicos de futebol negros

Aliou Cissé é um ex-futebolista e atual técnico da seleção senegalesa de futebol. Aliou é o único técnico negro da Copa de 2018. Imagem: FE/EPA/YURI KOCHETKOV. 

     Como vocês sabem muito bem, a Copa do Mundo 2018 já começou e um fato tem chamado a atenção: dentre as 32 seleções que estão disputando o mundial, apenas uma tem um técnico negro. Estou falando de Aliou Cissé, ex-jogador de futebol senegalês e atual técnico da seleção senegalesa. Além de ser o único técnico negro, Aliou recebe o menor salário dentre todos os técnicos da Copa do Mundo 2018. Estes fatos poderiam passar despercebidos se tais não fossem um reflexo do racismo, uma estrutura que também está presente no futebol.
     Aliou Cissé é um ex-futebolista senegalês e atual técnico da seleção senegalesa de futebol. Aliou construiu toda sua carreira futebolística na Europa, jogando em clubes da França e também da Inglaterra, passando por clubes como Birmingham City (Inglaterra), Crystal Palace (Inglaterra) e Portsmouth (Inglaterra), Lille Olympique Sporting Club Métropole (França), Club Sportif Sedan Ardennes (França) e Paris Saint-Germain (França) por exemplo. Além disso, o ex-jogador e atual técnico da seleção senegalesa, vestiu a camisa do Senegal nas categorias sub-23 e na categoria principal, representando seu país em duas edições da Copa das Nações Africanas e na Copa do Mundo de 2002. Aliou deixou os gramados em 2009 e em 2013 estreou como técnico ao comandar a categoria sub-23 do Senegal. Dois anos depois, foi promovido ao cargo de técnico do time principal, onde está atualmente. Na Copa do Mundo de 2018, muitas das seleções que não eram favoritas estão surpreendendo positivamente por estarem mostrando um futebol de alto nível e de fortes emoções. Uma destas seleções é a do Senegal, que nesta Copa estreou com vitória e até o momento não sofreu nenhuma derrota, somente um empate em uma disputa com a seleção japonesa realizada no dia 24 de junho de 2018. Além disso, a seleção do Senegal lidera o grupo H da fase de grupos desta Copa junto com o Japão.

Aliou Cissé nos tempos em que jogava no PSG (Paris Saint-Germain). Imagem: Jamie McDonald/Allsport/Getty Images.

     Entretanto, não é somente pelo bom trabalho como técnico que Aliou Cissé vem chamando a atenção. Como já foi dito neste texto, dentre os 32 técnicos de futebol que estão trabalhando na Copa do Mundo de 2018, Aliou é o único técnico negro. Além disso, dentre estes 32 técnicos, o salário do ex-jogador e atual técnico é o menor de todos. Isso não é coincidência e muito menos um fato banal: isso é o reflexo do racismo que estrutura o futebol mundo afora. Para se ter uma noção da diferença brutal entre os salários dos técnicos de futebol, o maior salário de um técnico atualmente é o de Joachim Löw, da Alemanha. O treinador alemão recebe cerca de R$ 16,1 milhões anuais, cerca de R$ 1,34 milhão por mês. O técnico brasileiro Tite ocupa a segunda colocação, junto com Didier Deschamps, técnico da seleção francesa, recebendo R$ 14,5 milhões anuais, cerca de R$ 1,2 milhão mensal. Ocupando a 32ª posição, o último lugar, está Aliou Cissé, técnico do Senegal, que recebe R$ 836,8 mil por ano, algo em torno de R$ 69,7 mil por mês. Este fato revela a estrutura do racismo presente no futebol, pois o negro é alguém que sempre é colocado na base da pirâmide social e recebe os piores salários e mesmo que esteja em cargos de liderança, o mesmo recebe um salário menor que o do homem branco. Vale destacar que o Senegal não é o único país da África presente na Copa do Mundo de 2018. Os outros países presente neste mundial são o Egito, o Marrocos e a Nigéria. Porém, o técnico da seleção egípcia é argentino, o da seleção marroquina é francês e o da seleção nigeriana é alemão.
     A ausência de técnicos de futebol negros não é um fato que ocorre somente no exterior: é uma realidade latente no Brasil e isso não vem de hoje. Antenor Lucas, o Brandãozinho (1925 - 2000) foi um jogador de futebol que foi ídolo da Portuguesa na década de 1950 e chegou a integrar o elenco da seleção brasileira na Copa de 1954. Teve que encerrar a carreira prematuramente em 1957 após uma grave contusão no joelho. Depois de se afastar dos gramados, Brandãozinho voltou ao Portuguesa como treinador. Brandãozinho queria ser técnico da equipe principal, mas foi aproveitado somente nas categorias de base do clube. Em 1966, teve uma chance de ser o técnico da equipe principal da Portuguesa no torneio Rio-São Paulo do mesmo ano. Logo após o primeiro jogo e a primeira derrota por 2 a 1 para o Bangu, Brandãozinho foi removido do cargo e substituído por Wilson Francisco Alves (1927 - 1998). Outro caso é o de Agenor Gomes, o Manga (1929 - 2004). Manga foi um jogador de futebol que atuava como goleiro. Jogou no Santos nas décadas de 1950 e 1960. No início dos anos 1960, Manga se tornou técnico do clube Portuguesa Santista. Em 1965, graças a Manga, o clube chegou a primeira divisão do campeonato paulista. Um ano depois, o ex-goleiro e agora treinador conseguiu o mesmo feito com a Ferroviária de Araraquara. Porém, apesar das conquistas e dos elogios dos jogadores, Manca jamais conseguiu espaço nos principais clubes do país, permanecendo como treinador dos clubes menores e interioranos.
     Jorge Luís Andrade da Silva, conhecido popularmente como Andrade, é um ex-jogador que integrou o time do Flamengo na década de 1970. Excelente jogador, Andrade se tornou técnico do Flamengo em 2009, após muitos anos como auxiliar técnico. Graças a Andrade, o Flamengo conquistou o campeonato brasileiro de 2009, após um jejum que durou 17 anos. Mesmo sendo campeão nacional, Andrade foi dispensado do Flamengo no ano seguinte. Desde então, o ex-jogador e treinador não conseguiu espaço em nenhum clube de expressão no futebol nacional. Passou a comandar times pequenos, ficou sem emprego em 2016 e no ano seguinte assumiu o comando do Petrolina, clube de futebol pernambucano. Entretanto, desanimado, Andrade resolveu se afastar do futebol e, devido às dificuldades financeiras, abriu uma empresa no Rio de Janeiro onde vende frutas. Outro técnico que passou pelo Flamengo e que já foi vítima do racismo é Cristóvão Borges, que já  reconheceu a existência do racismo para com os técnicos e que já sofreu preconceito velado por conta da cor de sua pele. Em 2016, Brailler Pires, comentarista esportivo do ESPN, afirmou que havia um "componente racista" nas críticas da torcida do Corinthians direcionadas a Cristóvão Borges, que havia se tornado técnico do Corinthians quase três meses antes de Brailler dizer isso. Vale lembrar que, sem dúvidas, o técnico que mais sofria pressão neste período era Cristóvão. "Cristóvão Borges já sofreu a questão do racismo e críticas com contornos maldosos e também racistas. Ele já admitiu que sofreu. Antes de chegar ao Corinthians, ele já era massacrado. Existe sim componente racista nas críticas aliado à baixa tolerância com os treinadores do futebol brasileiro. Pela história que o Brasil tem, deveria valorizar negros que chegam em posições de comando", disse Brailler Pires, que completou: "O futebol brasileiro aceita o sucesso do jogador negro, mas você não vê treinadores negros nas principais divisões brasileiras".

Foto de Cristóvão Borges nos tempos em que ele era técnico do Flamengo. Cristóvão já admitiu publicamente que foi vítima do racismo. Imagem: Reprodução. 

Conclusão

     O racismo é uma realidade no futebol porque o mesmo reflete a sociedade onde está inserido e como o racismo é uma das estruturas do mundo ocidental, o mesmo é percebido facilmente no futebol. O sucesso do jogador negro é aceito, pois o negro é visto como alguém que deve entreter. Porém, fora de campo, nos cargos de dirigentes no mundo do futebol, a presença de negros é muito pequena porque se entende que este não é o lugar do negro, uma vez que o mesmo é visto como alguém que não tem a capacidade de liderar. Puro racismo. 

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