26/10/2017

Por que é contraditório um cristão ser favorável à pena de morte?

Imagem: Reprodução.

     Nos últimos tempos uma avalanche sombria tem caído sobre o Brasil. Pautas de extrema direita estão se tornando cada vez mais populares. Uma destas pautas é a pena de morte, que já é defendida por quase metade da população brasileira ou mais. O que chama a atenção é que o número de cristãos (tanto católicos quanto evangélicos) defendendo tal coisa é cada vez maior. Entretanto, se olhar para Jesus e suas atitudes, defender a pena de morte se torna um ato no mínimo contraditório.
     De uns tempos para cá um "rolo compressor" tem atingido o Brasil em diversos setores da sociedade. O Congresso Nacional aprovou a PEC do Fim do Mundo, Reforma Trabalhista e Reforma do Ensino Médio. Eles ainda querem aprovar a Reforma da Previdência e aprovaram um projeto de lei que na prática flexibiliza a caracterização do trabalho análogo a escravidão. E isso é só um resumo... além disso, há muitos desempregados em todo o país. Este cenário tem favorecido a popularização da extrema direita no Brasil. Esta mesma extrema direita defende a redução da maioridade penal e a pena de morte.

Imagem: Reprodução.

     A pena de morte no Brasil, assim como a prisão perpétua, é inconstitucional (exceto em tempos de guerra). Entretanto, os clamores pedindo a aprovação da mesma no país não param de crescer. Políticos de extrema direita, programas de TV e rádio e parte da população defendem a pena de morte sem pudor algum. Neste contexto, o que chama a atenção é que cristãos católicos e evangélicos têm engrossado tais clamores. No dia 17 de outubro de 2017, o Portal UOL publicou uma matéria dizendo que católicos em Aparecida (SP) são contra a prática do aborto e favoráveis à pena de morte. De acordo com esta mesma matéria, 59% dos entrevistados no Santuário Nacional se declararam favoráveis à pena de morte. Este índice havia sido de 48% na Marcha para Jesus.
     É contraditório um cristão apoiar a pena de morte. Para começo de conversa, eles defendem tal prática e oram constantemente a alguém que foi crucificado, torturado e condenado a morte. Este alguém é Jesus. Tais cristãos comemoram a páscoa, mas passam o resto do ano dizendo que bandido bom é bandido morto. A imagem que abre este texto é uma cena do filme A Paixão de Cristo (2004), onde Jesus (Jim Caviezel) livra a mulher adúltera (Monica Bellucci) do apedrejamento. Segundo a lei da época, esta mulher deveria ser apedrejada até a morte pelo fato de ter sido pega em flagrante enquanto adulterava. Entretanto, Jesus a livrou de tal pena quando disse: "Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela." (João 8: 7). Um a um, todos foram se afastando, até ficar somente Jesus e aquela mulher. Em seguida, Jesus lhe disse: "vai-te e não peques mais" (João 8: 11). Baseado no amor ao próximo, Jesus livrou aquela mulher do apedrejamento. O capítulo 19 do livro de Lucas narra o encontro em Zaqueu, um publicano (cobrador de impostos) e Jesus. Zaqueu cobrava as pessoas além do devido e ficava com o resto. Entretanto, após Jesus pousar na casa do publicano (fato que fez com que ele fosse acusado de se assentar com pecadores), o mesmo se arrependeu dos atos cometidos e deu aos pobres metade de seus bens e quanto aqueles a quem ele defraudou, ele restituiu em um valor quadruplicado. Tem gente que diz: "Na China, se roubar, é morto! Isso deveria acontecer no Brasil também!". Com certeza Jesus não era adepto de uma prática como esta. E o que dizer do tão admirado e importante apóstolo Paulo, autor de 13 livros do Novo Testamento? Antes de se tornar um fervoroso seguidor de Cristo, ironicamente Paulo (que antes se chamava Saulo de Tarso) perseguia implacavelmente os seguidores de Jesus. Inclusive, ele esteve presente no apedrejamento de Estevão, considerado o primeiro mártir a morrer por amor a Cristo. Os crimes que o apóstolo Paulo cometeu foram gravíssimos e ele poderia ter sido morto por isso. Mas Jesus, em sua infinita misericórdia, poupou a vida de Paulo e ele se tornou um fervoroso imitador de Cristo. Destaque também o episódio da crucificação narrado em Lucas 23. Jesus foi crucificado ao lado de dois malfeitores e um deles pediu para que Jesus se lembrasse dele quando chegasse no "teu Reino" (Lucas 23: 42). Em resposta aquele pedido, Jesus disse que naquele mesmo dia aquele malfeitor estaria com ele no paraíso (Lucas 23: 43). Se o malfeitor em questão estava ali, foi porque alguma coisa grave ele fez (não tem como não lembrar da expressão "e só não fazer crime que não vai preso") e, portanto, merecia estar ali. Todavia, mais uma vez Jesus usou de seu infinito amor e salvou a alma daquele homem. Vale destacar que Jesus andou com os excluídos de sua época, a saber: mulheres, viúvas, crianças, pobres, deficientes físicos, leprosos, infratores e estudos recentes têm mostrado que homossexuais também andaram ao lado de Jesus.
     Uma pessoa que leu até o parágrafo anterior pode dizer (como eu mesmo já ouvi, por exemplo): "mas estas pessoas são pessoas que se arrependeram. Acho que se a pessoa não se arrepende de seus crimes, ela deve sim ser punida com a pena de morte". Em Mateus 18, Pedro pergunta a Jesus quantas vezes terá que perdoar o irmão. Ele pensou que era até sete, mas Jesus lhe disse que era até setenta vezes sete. 70 vezes 7 é igual a 490. Uma pessoa desavisada pode achar que tem que perdoar seu irmão 490 vezes, mas não. É mais do que isso, é infinito. Você deve perdoar seu irmão quantas vezes forem necessárias. E foi exatamente isso que Jesus fez, perdoando pessoas que cometeram crimes terríveis.

Imagem: Reprodução.

     Ainda com relação à pena de morte, é necessário fazer duas observações. A primeira é que as mesmas pessoas que se mostram favoráveis à pena de morte são as mesmas que condenam a prática do aborto. Segundo a reportagem acima citada que mostra o apoio de cristãos a pena de morte, 57, 6% dos entrevistados acreditam que "fazer aborto é sempre errado". Isso é no mínimo contraditório, pois se defendem a pena capital, o mais lógico seria defender a legalização do aborto. Porém, eles são contra o aborto e a favor da pena de morte. Direito à vida para quem? A segunda observação a ser feita é com relação ao caráter da justiça brasileira. A justiça do Brasil é elitista e racista, onde a maioria dos presos e condenados são negros, ao passo que os brancos, independente do crime que tenham praticado, costumam sair impune de seus crimes na maioria dos casos. Assim, não é difícil imaginar quem seria condenado à pena capital. Só se ouvem os clamores de pena de morte e redução da maioridade penal quando um negro comete um crime. Entretanto, quando um branco faz tal coisa, não se ouvem tais clamores. Como vocês já devem saber, um adolescente branco de 14 anos e de classe média entrou armado no colégio onde estudava em Goiânia e matou dois adolescentes e feriu cinco. Uma das adolescentes feridas perdeu o movimento das pernas. Todavia, não se ouvem vozes pedindo a redução da maioridade penal, os programas de TV e rádio de cunho policialesco não falam abertamente em pena de morte e ninguém fica incitando a população a linchar o adolescente que cometeu tamanha atrocidade. Se um negro tivesse feito tal coisa, será que todos ficariam calados? Desde já deixo meus sentimentos aos adolescentes e suas famílias que foram direta ou indiretamente atingidos por tal crime.

Conclusão

     É contraditório um cristão defender a pena de morte porque esta prática é contrária ao que Jesus ensinou, que foi o amor e o perdão incondicional. Acredito que assim como no passado, se Jesus vivesse na terra nos dias atuais, provavelmente ele seria crucificado novamente. É como diz o trecho de A Lição, uma música da banda de rock evangélica Oficina G3: "Mas as histórias continuam as mesmas/Parece que não aprendemos a lição". 

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