25/05/2017

A histórica relação do Flamengo com o público LGBT

Torcida do Flamengo estende bandeira do time durante partida. A torcida em questão é a maior do país, com cerca de 40 milhões de torcedores. Imagem: Reprodução.

     A torcida do Flamengo é a maior do país e também a maior do mundo. Por conta deste fato, pessoas oriundas de diversas classes sociais e culturas são flamenguistas. Inclusive, muitos LGBTs se declaram torcedores do Flamengo, fato que repercute dentro e fora dos campos e nos leva a refletir acerca da homofobia no futebol.
      Fundado em novembro de 1895, o Flamengo tem a maior torcida do país. Segundo dados publicados em 2016, o Flamengo tem a maior torcida do Brasil, seguido por Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Vasco, Cruzeiro e Grêmio respectivamente. Ainda segundo estes mesmos dados, que foram encomendados para o Paraná Pesquisas, o Flamengo tem 40 milhões de torcedores. No ano de 2015, a FIFA divulgou um ranking com as maiores torcidas do mundo e o Flamengo lidera o mesmo, com 33 milhões de torcedores. Segundo esta mesma lista, o Chivas (México) aparece em segundo lugar, com 30,8 milhões de torcedores. Já o Corinthians aparece em quarto lugar, com 24 milhões de torcedores. Entre as dez maiores torcidas do planeta, Milan (Itália) e Real Madrid (Espanha) aparecem em oitavo e nono lugar respectivamente. Pelo fato de o Flamengo ser a maior torcida do Brasil e do mundo, pessoas oriundas de diversas classes sociais se declaram flamenguistas. Médicos, professores, advogados, estudantes, religiosos e artistas são apenas alguns dos que torcem pelo Flamengo. No meio artístico, destaque para os rubro-negros Bruno Gagliasso, Heloísa Perissé, a cantora gospel e pastora Fernanda Brum e o marido e produtor musical Emerson Pinheiro, Thiago Martins, Yasmin Brunet, Lisandra Souto, Nalbert e o político Eduardo Cunha. A grande torcida do Flamengo pode ser explicada em parte pela energia contagiante e envolvente que o Flamengo e a própria torcida emitem. Além disso, o Flamengo é um dos times que é capaz de levar ao amor intenso ou ao ódio extremo. Não existe meio termo.

Eduardo Cunha acompanhando o jogo do Flamengo no estádio Mané Garrincha (Brasília) em maio de 2016. Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress. 

      Pelo fato de ser uma imensa torcida, o Flamengo tem LGBTs entre seus torcedores, que exercem as profissões acima citadas ou algumas outras. A relação entre homofobia e futebol é histórica porque ao longo do tempo o futebol se tornou um reduto do machismo, onde homens manifestam sem pudor algum a misoginia e a LGBTfobia que carregam dentro de si. Este fato faz com que LGBTs não se sintam a vontade neste esporte, levando torcedores e principalmente jogadores a manterem a orientação sexual sob sigilo absoluto. Isso porque somente o boato de ser LGBT pode destruir a carreira de um jogador de futebol. Além disso, a identidade LGBT, criada ao longo da história, não inclui o futebol como elemento desta identidade. Ao contrário do que se pode pensar, a relação do Flamengo com o público LGBT não é recente. Não tem como precisar quando os LGBTs se tornaram em sua maioria flamenguistas, talvez sempre fossem, uma vez que sempre existiram LGBTs, mas os mesmos não podiam falar sobre tal. A prova mais remota de que esta relação é histórica é a criação da Fla-Gay, em 1979.
      Nascida dois anos depois da Coligay (a torcida gay do Grêmio), em 1977, a Fla-Gay, assim como a Coligay, era uma torcida organizada composta por homossexuais. É emblemático o período em que as torcidas em questão nasceram. No fim dos anos 1970, o Brasil vivia um regime civil-militar desde 1964. Este mesmo regime, além de ser um golpe político, era também um golpe moral (leia aqui). Desta forma tudo aquilo que atentasse "a moral e os bons costumes" era censurado, como por exemplo: homossexualidade, liberdade sexual, independência da mulher ou divórcio. A censura moral era ferrenha, tanto é que em Porto Alegre (RS) por exemplo havia uma "Delegacia de Costumes". É importante lembrar também que neste mesmo período o regime civil-militar imposto já dava sinais de desgaste, uma vez que a euforia em torno do milagre econômico havia passado e as insatisfações cresciam cada vez mais. Além disso, em 1979 a Lei da Anistia foi aprovada, permitindo que exilados voltassem ao país.

Márcio Braga, então presidente do Flamengo, associa derrota do time à Fla-Gay. Imagem: Reprodução. 

      A Fla-Gay foi uma iniciativa do botafoguense Clóvis Bornay, ícone do carnaval carioca que se tornou conhecido e imbatível nos concursos de fantasias de luxo. Às vésperas de um jogo entre Flamengo e Fluminense, Bornay conclamou torcedores flamenguistas para irem juntos ao Maracanã sob a bandeira da Fla-Gay. A torcida não foi bem recebida pelos demais torcedores e nem pela diretoria do Flamengo. Após a derrota por 3 a 0 para o Fluminense, o então presidente rubro-negro, Márcio Braga, associou a derrota a uma "praga da Fla-Gay". Dai em diante as hostilidades só aumentaram e a torcida recém-fundada foi limitada às cadeiras numeradas. A extinção da torcida era uma questão de tempo. Se atualmente, onde várias pessoas discutem a homofobia no futebol, onde atos LGBTfóbicos são criticados, onde o movimento LGBT se mostra cada vez mais forte e organizado e onde a TV fala abertamente sobre a questão LGBT; já é difícil ser um LGBT e gostar de futebol. Imagine então como deveria ser entre fins dos anos 1970 e início dos anos 1980, onde não havia nada disso e onde um governo vetava tudo que ia contra "a moral e os bons costumes".
     Uma vez que as atividades foram encerradas, a Fla-Gay passou por uma tentativa de reorganização encabeçada pelo ativista LGBT Raimundo Pereira. Entre os anos de 1996 e 1997 mais de 100 militantes frequentavam as arquibancadas do Maracanã juntos nos jogos do Flamengo. Este foi o período mais longo de duração da torcida. O fim das atividades da Fla-Gay se deu por desânimo dos ativistas. Um dos companheiros de luta de Raimundo, o vascaíno Carlos Alberto Migon, contou em uma reportagem do Portal EBC em 2013 (leia a matéria completa aqui) que a torcida era mais ligada ao ativismo do que ao futebol, fato que favorecia a desmobilização diante do comportamento homofóbico dos demais torcedores. Houve uma tentativa de retorno da Fla-Gay em 2013, mas setores do próprio clube foram contra e a proposta não foi colocada em prática.
      Mesmo com a extinção da Fla-Gay e com a homofobia ainda latente no futebol, o fato é que o Flamengo é o time brasileiro que mais tem homossexuais. O time é seguido por Corinthians e São Paulo, que ficam em segundo e terceiro lugar respectivamente. Não há nada em especial que faz o Flamengo ter tantos LGBTs em sua torcida. Como já dito neste mesmo texto, o Flamengo tem uma grande torcida cujos rubro-negros são das mais diversas profissões, classes sociais, crenças e orientação sexual. É importante destacar que somente a presença de LGBTs em uma torcida de futebol quebra a ordem hegemônica de que os mesmos não podem gostar de futebol, levando a sociedade a refletir acerca do que é ser LGBT, já que o futebol não é um elemento que ajuda a formar esta mesma identidade. E é exatamente por quebrar a ordem vigente de que só existe homem e mulher e tirar os machistas de sua zona de conforto que os LGBTs são banidos do futebol, esporte que machistas usam para manifestarem seu machismo sem pudor algum.

Conclusão

      A relação entre o Flamengo e a população LGBT é antiga e a Fla-Gay é o exemplo máximo disso, não o começo dessa mesma relação. A torcida rubro-negra é muito grande e abrange todos os tipos de pessoas, inclusive LGBTs. Este fato desmistifica a ideia de que LGBT não gosta de futebol e nos levar a refletir e lutar contra a homofobia dentro (e também fora) deste mesmo esporte, onde o machismo reina de modo soberano. 

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