12/06/2018

Futebol: o reduto do racismo

Aranha é um goleiro que atualmente joga pelo Avaí. Assim como muitos jogadores negros mundo afora, Aranha também já foi vítima de ofensas raciais. Imagem: Reprodução.

     O racismo é uma realidade no futebol brasileiro e também no futebol mundial. Em diversos países do mundo, há casos de jogadores negros que foram vítimas de injúrias raciais. E o mais contraditório e irônico em tudo isso é que parte considerável dos jogadores que jogam em times de todo o mundo são negros. Isso acontece porque o fato de um determinado espaço ser ocupado por uma parcela relevante de negros não significa que o racismo esteja automaticamente eliminado deste mesmo espaço.
      Antes de continuar com o texto, eu quero fazer duas observações. Na verdade, eu só quero fazer uma. Todo mundo sabe o que é futebol, até a pessoa mais leiga, embora possa não conhecer a fundo as leis deste esporte, sabe o que é o mesmo. Bem, antes de continuar com o texto, eu quero definir para vocês o que é o racismo. "Ah, o racismo é o preconceito com pessoas negras" é uma resposta superficial e, por conta disso, não abrange a totalidade da definição deste preconceito. O racismo é uma das estruturas do mundo ocidental que classifica as pessoas negras como pessoas "inferiores" e que, por isso, devem ficar na base da pirâmide, à margem da sociedade. O negro não é visto como uma pessoa bonita, o cabelo do negro não é digno de elogios (embora nos últimos tempos isso possa estar mudando, já falei sobre isso aqui) e seus modos de vida são vistos como "inferiores". O racismo é uma estrutura do mundo ocidental e pode ser vista na moda, nas artes, na economia, na política e em espaços acadêmicos. A quantidade de modelos negros ainda é inferior a de brancos, embora isso possa estar mudando nos últimos anos; e a quantidade de negros nas artes, em especial na dramaturgia, em papéis de destaque ainda é pequena e a representação dos negros nas mesmas ainda é problemática; já na esfera econômica, os negros estão na base da pirâmide. São eles que estão em maior número nos serviços braçais, informais e também desempregados. Na política, em especial, na política brasileira, o Congresso Nacional ainda é branco, masculino, heterossexual, cristão e conservador. E nas universidades, embora as cotas raciais têm contribuído significativamente para mudar isso, o número negros cursando ou que já tenham cursado um curso superior ainda é pequeno. Entende agora porque dizemos que o racismo é estrutural?

Mesmo tendo sido lançado pela primeira vez no ano de 1947, O Negro no Futebol Brasileiro continua sendo a obra mais completa e uma verdadeira referência quando o assunto é racismo no futebol. Imagem: Reprodução. 

     Como já foi dito nos parágrafos anteriores, o racismo no futebol não é uma exclusividade do Brasil. Entretanto, neste texto eu vou especificar o país. Para entender o racismo no futebol brasileiro, é preciso olhar para a História e entender como o mesmo foi inserido na sociedade brasileira. No clássico livro O Negro no Futebol Brasileiro (1947), o jornalista Mário Filho (1908 - 1966) analisa as origens elitistas e também racistas do futebol. Mário Filho afirma na obra em questão que o futebol teve origem na Inglaterra e era praticado pela aristocracia, mas que com o tempo foi se tornando popular entre o trabalhador operário. No Brasil não era diferente. Nos primeiros anos do futebol em terras brasileiras, o mesmo era praticado por homens da elite. E, além disso, as regras e os nomes dos jogadores por exemplo, eram em inglês. Enquanto o esporte estava se consolidando no país, era preciso entender o inglês para praticar o mesmo. Os moços pobres e negros não tinham permissão para jogar futebol. O máximo que podiam fazer era assistir a tudo de longe, do lado de fora da grade. Se a bola caísse do lado de fora, eles podiam chutar a mesma, mas não podiam demorar muito. Estes moços podiam também carregar as malas dos jogadores até o bonde.
      Ainda em O Negro no Futebol Brasileiro, Mário Filho analisa também o começo da popularização deste esporte, bem como a inserção gradual e definitiva do negro neste esporte. O jornalista narra casos verídicos de jogadores negros que tinham que passar uma grande quantidade de pó-de-arroz no rosto para esconder a pele negra, bem como de jogadores que tinham de passar uma grande quantidade de brilhantina para amassar os cabelos crespos, bem como ficar com uma toalha enrolada na cabeça para garantir que os fios não iam sair do lugar. Isso durava no mínimo uns trinta minutos. O futebol estava começando a se popularizar e o autor do clássico em questão analisa o fenômeno no mesmo livro. Na ausência e na impossibilidade de comprarem uma bola de couro, os meninos pobres perceberam que podiam fazer uma bola de futebol com meias. Elas ficam mais tempo no chão por serem mais pesadas, ideais para praticar o esporte. Estes mesmos meninos perceberam também que para jogar futebol não era preciso ter uma grande estrutura. Meias todo mundo tem e, além disso, o futebol pode ser jogado em qualquer rua, terreno baldio, locais onde o lixo é despejado ou capinzais por exemplo. E qualquer objeto firme pode servir para sinalizar o gol, como por exemplo duas maletas de colégio, dois paletós bem dobrados, dois paralelepípedos ou dois pedaços de pau. Era a irreversível popularização de um esporte cujas origens são elitistas.

Gabriel Jesus é um dos convocados da seleção brasileira para a  Copa do Mundo de 2018, que vai ser realizada na Rússia. Gabriel Jesus não é o único negro que joga futebol, muito pelo contrário. Imagem: Pedro Martins/MoWa Press. 

     A quantidade de negros no futebol brasileiro é imensa e isso não vem de hoje, pois, como foi visto brevemente no parágrafo acima, a inserção do negro e dos pobres no futebol foi algo gradual. Gabriel Jesus, Neymar, Pelé, Willian Arão, Aranha, Dadá Maravilha, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldinho Fenômeno, Cafu, Mazinho, Vinícius Júnior, Jefferson, Marlon Santos, Felipe Melo, Vampeta, Sassá, Léo Moura e muitos outros são alguns jogadores de futebol que são negros. E este são somente os jogadores e ex-jogadores brasileiros. Se os jogadores estrangeiros fossem incluídos, o número seria muito maior. Uma pessoa desavisada e/ou o senso comum pode achar que, pelo fato de haver muitos negros no futebol, o racismo é algo que não existe neste esporte. Ledo engano. Volta e meia notícias de jogadores que sofreram injúrias raciais aparecem na mídia. Em 2014, Daniel Alves, que na época integrava o time do Barcelona, foi vítima de racismo ao ver uma banana ser atirada em sua direção. Em resposta ao ato, o jogador comeu a mesma e o gesto viralizou. Em junho de 2011, o ex-jogador Roberto Carlos passou por situação parecida. Após a vitória do time do qual fazia parte, Roberto Carlos viu uma banana ser atirada em sua direção. O agora ex-jogador havia passado por situação semelhante em março do mesmo ano. Em agosto de 2014, quando fazia parte do Santos, o goleiro Aranha foi vítima de ofensas raciais durante partida contra o Grêmio. "Preto fedido" e "macaco" foram alguns dos muitos xingamentos que Aranha ouviu da torcida do Grêmio no dia desta partida. E em fevereiro de 2017, o jogador Everton Luiz, que na época jogava em um time da primeira divisão da Sérvia, o Partizan Belgrado, ouviu insultos raciais durante toda a partida dos torcedores do time adversário Rad Belgrado. Integrantes da torcida rival emitiam gritos imitando macacos toda vez que Everton tinha a posse da bola. Além disso, a partida precisou ser interrompida depois que torcedores rivais exibiram um cartaz com frases racistas contra o jogador. Everton saiu de campo chorando e foi consolado pelo goleiro Filip Kljajic, goleiro do Partizan Belgrado na época. E estes foram somente os casos recentes de jogadores de futebol que foram vítimas de ofensas raciais. Se os demais casos, bem como os que ocorreram no passado e os que não tiveram destaque na mídia, fossem incluídos aqui, este parágrafo seria muito maior.

Everton Luiz é consolado pelo goleiro Filip Kljajic após ouvir insultos raciais e sair de campo aos prantos. Imagem: AFP. 

     O racismo no futebol acontece porque, embora um espaço seja ocupado consideravelmente por negros, não significa necessariamente que o racismo seja inexistente no mesmo. Ao contrário do que acontecia no passado, o negro atualmente pode jogar futebol, mas a partir do momento em que ele comete uma falta e/ou tem um rendimento ruim, o racismo até então velado vem à tona. Se bem que em alguns casos, mesmo o jogador vivendo uma boa fase, ele é vítima de insultos raciais. Enfim, nada justifica o racismo. O negro na sociedade racista tem que servir para o entretenimento. Enquanto ele estiver fazendo gols, fazendo dribles incríveis e principalmente dando muito lucro ao clube, está tudo certo. Entretanto, quando isso não acontece, o que resta ao jogador negro são os insultos raciais. E se, além de jogar bem, o jogador negro não falar de política e/ou defender causas sociais, melhor ainda. A elite dirigente do futebol, a elite torcedora e os patrocinadores não querem se sentir incomodados com um jogador que tenha um discurso que questione os seus privilégios.
     As coisas podem estar mudando, mas o fato é que o negro só é inserido na sociedade por meio do esporte e/ou entretenimento. A sociedade racista tolera o negro se ele fizer rir, cantar, dançar ou praticar algum esporte. Fora isso, a ascensão social do negro é negada. A sociedade nega a ascensão social do negro se ele quiser ser um telejornalista, um apresentador, engenheiro, médico, advogado, professor ou empresário. Não estou dizendo que não há negros nas áreas citadas.

Conclusão

     Embora o número de jogadores negros mundo afora não seja pequeno, o fato é que o racismo ainda é uma realidade no futebol. Isso se deve às origens elitistas e racistas do esporte em questão, bem como a estrutura racial que serve de base para a sociedade ocidental. O futebol é o esporte mais popular do mundo e ele reflete o perfil da sociedade onde está inserido e como o racismo está presente na sociedade, o futebol acaba refletindo o mesmo. 

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