Os presidentes militares que governaram o país durante a ditadura. Da esquerda para a direita: Castelo Branco (1964 - 1967), Costa e Silva (1967 - 1969), Médici (1969 - 1974), Geisel (1974 - 1979) e Figueiredo (1979 - 1985). Imagem: Reprodução.
O Golpe de 1964 mergulhou o Brasil em uma ditadura que só findou em 1985. O golpe foi executado por militares e apoiado por alguns setores da sociedade civil. Neste período houve violações contra os direitos humanos, mas ninguém foi punido por isso. E hoje pagamos o preço por conta deste fato: políticos e cidadãos relativizando um período tão delicado e pessoas pedindo a volta da ditadura.
Uma ditadura civil-militar foi imposta em 1964 pelos militares junto com parte da sociedade civil (membros da elite, classe média, alguns setores do catolicismo e também do protestantismo). O argumento para tal ato era uma suposta ameaça comunista. Suposta porque não havia uma ameaça real. O partido comunista existia, mas estava longe de chegar ao poder e João Goulart (1918 - 1976) estava longe de ser um comunista. Ele defendia reformas estruturais (reforma agrária e urbana por exemplo), mas não a queda da estrutura propriamente dita. Entretanto, isso foi mais que o suficiente para a deposição de Jango, apelido de João Goulart (1918 - 1976). Vale lembrar que a polarização naquela época era muito acirrada (não muito diferente dos dias de hoje) por conta da Guerra Fria (1945 - 1991). Desta forma, qualquer ato podia ser interpretado como de esquerda ou direita.
Uma das características deste regime ditatorial foi a censura e a perseguição ferrenha a opositores políticos. Estas perseguições incluíam torturas e execuções. Tais atos são injustificáveis, independente de a vitima ter cometido um crime ou não. No mesmo período em que o Brasil vivia um regime ditatorial, outros países da América Latina viviam experiência semelhante. E, apesar de possíveis falhas, pode-se dizer que há um esforço para impedir que tal período se repita. Em outubro de 2018, o Exército Chileno colocou na reserva o coronel Germán Villarroel, que dirigia a Escola Militar do país. O motivo de tal ato foi o fato de Germán homenagear nas dependências da instituição o genocida Miguel Krassnoff Martchenko, que cumpre pena por ter cometido 7 crimes contra a humanidade durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973 - 1990). Em 2017, a Argentina condenou 48 ex-militares por 'voôs da morte' e outros crimes cometidos durante a ditadura argentina (1976 - 1983). O 'voô da morte' consistia em jogar de aviões opositores políticos em pleno ar.
Hitler é saudado com a conhecida saudação ao führer. Fazer isso hoje é crime na Alemanha. Imagem: Reprodução.
Mas e a liberdade de expressão, onde fica? Pode parecer contraditório, mas a tolerância deve ser intolerante com a intolerância. Na Alemanha, após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) e a respectiva queda do regime nazista, os responsáveis pela manutenção deste regime foram punidos ao longo dos anos. Além disso, qualquer manifestação de apoio a Hitler (1889 - 1945) e/ou ao regime nazista de maneira geral é crime. Reproduzir a suástica sem ser em sala de aula e para fins educativos, bem como fazer o gesto de saudação ao führer (líder em alemão) por exemplo são atitudes proibidas em território alemão e passíveis de punição.
O Brasil parece andar na contramão se comparado ao que os outros países do mundo fizeram com os responsáveis pela manutenção de regimes autoritários e/ou totalitários. Nenhum responsável pela ditadura foi preso e a Comissão da Verdade, que tinha o propósito de investigar as violações de direitos humanos entre os anos de 1946 e 1988, foi fundada em novembro de 2011, mais de duas décadas e meia depois do fim da ditadura. Com isso, uma quantidade incalculável de documentos que denunciavam tais violações se perderam (ou foram perdidos propositalmente) e os autores de tais crimes já estavam mortos em sua maioria ou estavam idosos demais para ir para a prisão.
Além disso, manifestações favoráveis a este período tenebroso da história do país nunca foram passíveis de punição. Isso explica em parte as manifestações pedindo o retorno dos militares ao poder e a eleição de Jair Bolsonaro. O atual Presidente da República é saudoso da ditadura, chegando ao ponto de dizer que o erro da ditadura foi torturar e não matar; e tem por ídolo pelo menos duas figuras deste período: o coronel Brilhante Ustra (1932- 2015) e o paraguaio Alfredo Stroessner (1912 - 2006). O primeiro foi um torturador que tinha por hábito colocar ratos e baratas dentro da vagina das mulheres. Já o segundo chegou ao poder no Paraguai por meio de um golpe de Estado em 1954. O ditador se manteve no poder por mais de 30 anos e neste mesmo período mais de 18 mil pessoas foram torturadas, 400 executadas ou desapareceram no período do stroessnismo. Além disso, o documentário Calle de Silencio (2017) mostrou que o ditador também era pedófilo. As vítimas dos abusos relataram, depois de 30 anos da queda do regime, como eram retiradas do interior do Paraguai para servir ao ditador.
Sarney, ao centro com a mão estendida, toma posse como Presidente da República, em 1985. Ironicamente, o primeiro presidente depois de um longo período ditatorial se beneficiou bastante da ditadura. Imagem: Acervo O Globo.
Para entender o motivo de situações como as descritas no parágrafo anterior terem acontecido, é preciso entender o processo que resultou no fim da ditadura e no retorno da democracia. O fim da ditadura foi feito por cima, organizado por aqueles que estavam no poder. Após o fim do milagre econômico (1969 - 1973), período de euforia sobretudo no campo econômico, a ditadura mostrou os primeiros sinais de desgaste. Percebendo que o começo do fim havia começado, foi iniciada a chamada "abertura lenta e gradual". Eles iriam sair do poder aos poucos, mas não sairiam dessa prejudicados. Isso explica o fato de ninguém jamais ter sido punido, de a Comissão da Verdade ter saído tão tarde e de o primeiro presidente do pós-ditadura , José Sarney, ter sido "cria" da ditadura. Vale lembrar que Fernando Collor, eleito Presidente da República pelo voto direto (Sarney foi eleito por um colégio eleitoral), também é "cria" da ditadura.
Collor e Sarney fizeram parte do ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido que dava sustentação política a ditadura. Aliás, vários políticos que ainda estão no cenário político brasileiro fizeram suas carreiras apoiados na ditadura, mas isso é assunto para outro texto.
Conclusão
O Brasil não puniu os responsáveis pelo Golpe de 1964 e é por isso que há pessoas que defendem a volta da ditadura e relativizam as violações de direitos humanos ocorridas no período por exemplo. É tarde para punir os responsáveis pela ditadura, mas não é tarde para criar leis para coibir os seus vestígios.
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