Tiago Crispim Salvador, o entrevistado do mês de fevereiro do blog A Hora. Imagem: Reprodução Facebook. |
Enfim, o blog A Hora exibe a primeira entrevista do ano. O entrevistado é Tiago Crispim Salvador, que já foi entrevistado pelo blog em outro momento (veja aqui). Graduado em História pela Universidade Estácio de Sá, graduando em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestrando em Ciências Sociais pela mesma universidade, Tiago ama a história da cidade e também do estado do Rio de Janeiro. Porém, o foco dos estudos de Tiago não é o que todo mundo já estuda: as ruas do centro da cidade do RJ e/ou os bairros nobres da cidade carioca. O Rio de Janeiro que Tiago gosta de estudar é o Rio que quase ou nunca aparece nos livros: a formação das favelas, os habitantes nativos e os bairros da Zona Oeste da cidade. Morador do Morro do São Carlos, de onde se pode ver parte da Baía de Guanabara, o Morro da Providência, o centro da cidade, o Morro de Santa Tereza, o Cristo Redentor, o castelo da FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz), a Igreja da Penha e até o Aeroporto Internacional Tom Jobim, que fica na Ilha do Governador; Tiago recebeu o blog A Hora em sua casa para uma prazerosa e enriquecedora entrevista. Confira:
1 - Quando e como começou a estudar a história da cidade e do estado do Rio de Janeiro?
Tiago Crispim Salvador: Eu sempre tive um interesse muito grande nos estudos fluminense, que são os estudos do Rio de Janeiro e isso é algo desde criança. Eu nem sonhava em fazer História, estava no Ensino Fundamental e este interesse por descobrir cada canto do Rio já existia. É interessante porque eu tinha este interesse através das linhas de ônibus da cidade. Eu comecei a me interessar pelo Rio de Janeiro desde que eu tinha uns 6, 7 anos de idade através dos nomes dos bairros e dos itinerários.
Meu avô foi motorista de ônibus e meu tio é mecânico de ônibus. Então, eu sempre fui de ir detalhando capa pedacinho desta cidade através dos coletivos. Eu tive uma revistinha onde havia os ônibus da antiga CTC (Companhia de Transportes Coletivos), que era estatal e dos rodoviários do Rio de Janeiro. E eu ficava lendo esta revista, era quase a minha primeira alfabetização. Uma vez eu levei uma baita surra porque eu matava aulas para andar de ônibus (risos). Eu tive uma atração muito forte pelo Rio de Janeiro, o que fez com que eu circulasse pela cidade atrás desses itinerários e de uma certa forma eu fui conhecendo não só o Rio, mas as suas regiões metropolitanas, como a Baixada Fluminense e Niterói por exemplo e eu fui desvendando esta cidade. E daí eu passei a estudar cada vez mais a história da cidade. A minha família e os meus amigos, quando querem ir a algum lugar, eles me perguntam porque sabem que eu conheço os bairros da cidade. Mesmo com a mudança de consórcios, fruto da gestão dos prefeitos, eu tenho essa facilidade de mapear a cidade através desses itinerários.
Meu avô foi motorista de ônibus e meu tio é mecânico de ônibus. Então, eu sempre fui de ir detalhando capa pedacinho desta cidade através dos coletivos. Eu tive uma revistinha onde havia os ônibus da antiga CTC (Companhia de Transportes Coletivos), que era estatal e dos rodoviários do Rio de Janeiro. E eu ficava lendo esta revista, era quase a minha primeira alfabetização. Uma vez eu levei uma baita surra porque eu matava aulas para andar de ônibus (risos). Eu tive uma atração muito forte pelo Rio de Janeiro, o que fez com que eu circulasse pela cidade atrás desses itinerários e de uma certa forma eu fui conhecendo não só o Rio, mas as suas regiões metropolitanas, como a Baixada Fluminense e Niterói por exemplo e eu fui desvendando esta cidade. E daí eu passei a estudar cada vez mais a história da cidade. A minha família e os meus amigos, quando querem ir a algum lugar, eles me perguntam porque sabem que eu conheço os bairros da cidade. Mesmo com a mudança de consórcios, fruto da gestão dos prefeitos, eu tenho essa facilidade de mapear a cidade através desses itinerários.
2 - Como era o estado do Rio de Janeiro na época em que os portugueses chegaram ao estado pela primeira vez?
TCS: Não se pensava em um estado do Rio de Janeiro. Era um grande litoral povoado por indígenas. Não se tinha desbravado ainda o que a gente chama de sertão. Vale lembrar que não é sertão no sentido geográfico, mas no sentido simbólico, que permeia não só o Rio de Janeiro, mas toda a história do Brasil. E esse contato primário que se tinha era com a aldeia de Uruçu-Mirim, no território onde hoje em dia é a praia do Flamengo. Então, você tinha essa predominância de habitantes nativos que mais tarde foram chamados de tupis e tamoios. Naquela região da Glória e Flamengo, onde é a Rua do Catete, corria um rio que era um dos braços do Rio Carioca, tinha uma tribo indígena. Então, você tinha esses conjuntos de tribos indígenas.
A Ilha do Governador era um espaço indígena e o Araribóia, que depois dá nome a uma estação das barcas em Niterói, sai dali por causa de guerras que existia entre as tribos indígenas. Ele sai e se refugia onde hoje é o estado do Espírito Santo e depois, na guerra entre portugueses e franceses, onde cada tribo indígena tomou de certa forma um lado, ele consegue voltar para a Ilha do Governador. Porém, não se interessando em ficar lá, ele ganha essa sesmaria onde hoje é a cidade de Niterói. Tem um livro muito bom chamado O Rio Antes do Rio: a Guanabara Tupinambá e suas aldeias ancestrais, a história do primeiro carioca e dos exploradores, conquistadores e moradores que marcaram a fundação do Rio de Janeiro (2016), de Rafael Freitas da Silva, que conta esse passado do Rio. Outro livro muito bom que recomendo para quem quer aprender a história do Rio de Janeiro é A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: o resgate da sua memória (2004), de Helio Suêvo Rodrigues. É um Rio do fim do século XIX. Estas são as referências básicas que vai de certa forma analisar o resultado desse contato entre o português e os indígenas. E esse contato, é válido sempre dizer, foi marcado pelo etnocentrismo.
A Ilha do Governador era um espaço indígena e o Araribóia, que depois dá nome a uma estação das barcas em Niterói, sai dali por causa de guerras que existia entre as tribos indígenas. Ele sai e se refugia onde hoje é o estado do Espírito Santo e depois, na guerra entre portugueses e franceses, onde cada tribo indígena tomou de certa forma um lado, ele consegue voltar para a Ilha do Governador. Porém, não se interessando em ficar lá, ele ganha essa sesmaria onde hoje é a cidade de Niterói. Tem um livro muito bom chamado O Rio Antes do Rio: a Guanabara Tupinambá e suas aldeias ancestrais, a história do primeiro carioca e dos exploradores, conquistadores e moradores que marcaram a fundação do Rio de Janeiro (2016), de Rafael Freitas da Silva, que conta esse passado do Rio. Outro livro muito bom que recomendo para quem quer aprender a história do Rio de Janeiro é A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: o resgate da sua memória (2004), de Helio Suêvo Rodrigues. É um Rio do fim do século XIX. Estas são as referências básicas que vai de certa forma analisar o resultado desse contato entre o português e os indígenas. E esse contato, é válido sempre dizer, foi marcado pelo etnocentrismo.
3 - No Pré-vestibular do São Carlos (PREVESC), onde você dá aulas e é um dos coordenadores do curso, há a disciplina História Social do Rio de Janeiro, que é ministrada por você. Qual a importância desta disciplina?
TCS: Antes de eu falar da importância, eu gostaria de falar das dificuldades. Quando eu comecei a organizar o PREVESC junto com mais algumas pessoas e a organizar as disciplinas, houve dilemas com relação a isso. Eu sou de História e Ciências Sociais. Colocar esta disciplina em um curso pré-vestibular choca-se com o objetivo de um propósito, que é a aprovação em uma universidade. E isso requer, de uma certa forma, um redirecionamento para um currículo mínimo que o vestibular vai exigir com um ordenado de matérias específicas. E onde entra o Rio de Janeiro nisso? Alguns acusaram de ser uma pegada mais academicista e a gente pode até discutir isso (risos). Só que alguns vestibulares requer esse conhecimento prévio do Rio, principalmente se for um vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A UERJ pressupõe que você saiba minimamente a história da sua cidade. Mas não só nos aspectos cronológicos: também nos aspectos políticos e culturais. Então, há a necessidade desta disciplina.
O PREVESC fica no Morro do São Carlos, que por sua vez está em uma área central, e é histórico. Então, isso tem um diferencial, até pelo reconhecimento do aluno com o território nas demandas que ele vai ter que aprender pra vida, até no nível mais rudimentar, de você se preparar para um vestibular e a universidade querer que você saiba coisas mínimas no aspecto de sua cidade. Isso é cobrado em provas específicas de humanas, mas perpassa de uma forma geral todas as disciplinas. E como é um pré-vestibular social, o meu interesse é fazer com que os alunos conheçam não só a história do Rio colonial, do centro da cidade, da Zona Sul; mas discutir e problematizar os outros aspectos das áreas metropolitanas do Rio. A importância crucial que essas micro-regiões tinham para o abastecimento da cidade, para a defesa, para tudo. Então, a gente tem que problematizar a memória social destes espaços. A história, como dizia Walter Benjamin (1892 - 1940), é contada a partir da ótica dos vencedores. Os chamados vencidos têm sempre a voz apagada. Então, a história é feita de ausências. Desta forma, colocar a ausência e a memória destes espaços dentro desse repertório disciplinar é uma luta e tanto.
O PREVESC fica no Morro do São Carlos, que por sua vez está em uma área central, e é histórico. Então, isso tem um diferencial, até pelo reconhecimento do aluno com o território nas demandas que ele vai ter que aprender pra vida, até no nível mais rudimentar, de você se preparar para um vestibular e a universidade querer que você saiba coisas mínimas no aspecto de sua cidade. Isso é cobrado em provas específicas de humanas, mas perpassa de uma forma geral todas as disciplinas. E como é um pré-vestibular social, o meu interesse é fazer com que os alunos conheçam não só a história do Rio colonial, do centro da cidade, da Zona Sul; mas discutir e problematizar os outros aspectos das áreas metropolitanas do Rio. A importância crucial que essas micro-regiões tinham para o abastecimento da cidade, para a defesa, para tudo. Então, a gente tem que problematizar a memória social destes espaços. A história, como dizia Walter Benjamin (1892 - 1940), é contada a partir da ótica dos vencedores. Os chamados vencidos têm sempre a voz apagada. Então, a história é feita de ausências. Desta forma, colocar a ausência e a memória destes espaços dentro desse repertório disciplinar é uma luta e tanto.
4 - Você sempre frisa que o nome da disciplina que ministra é História SOCIAL do Rio de Janeiro. Por que o ênfase no social?
TCS: Como eu falei acima, eu queria fugir da História scrito sensu. Eu queria uma pegada interdisciplinar e isso está relacionado à minha formação, que sou historiador e graduando e mestrando em Ciências Sociais. O objetivo é trabalhar essas ausências históricas. Porque não problematiza a riqueza cultural e social da Baixada? Pelo fato de ali haver um dos caminhos reais, onde hoje é a Avenida Automóvel Clube, vilas eram construídas. Além disso, tem também a questão dos rios na ligação do espaço e tem uma questão social por causa dos mesmos. É justamente por isso que o social não pode estar dissociado. Porque esses rios viraram valões? Quem passa na Linha Vermelha e sente aquele cheiro insuportável vai imaginar a história de riqueza e grandiosidade que foi o Rio Meriti? Porque aqueles rios viraram valões? Qual o significado da palavra valão? E porquê está associado aqueles espaços? Há estereótipos de valões na Zona Sul, mas não são vistos assim. Porque a Zona Oeste e a periferia não têm tanta evidência nesta produção de conhecimento historiográfico. Além do meu olhar histórico, tem essa pegada social. E eu pego muito no pé com relação a isso. Não é História do Rio de Janeiro: é História Social do Rio de Janeiro.
5 - Um trajeto que você gosta de fazer em suas aulas sobre Rio de Janeiro abrange o bairro de Santa Cruz e mais alguns bairros. Você pode falar um pouco sobre este trajeto?
TCS: Em São Cristóvão há uma riqueza (não estou dizendo que os outros bairros não tem: todos têm). Há o domínio jesuíta, no período colonial. Qual a questão de São Cristóvão? o caminho real, o caminho dos jesuítas. Passa o Brasil colônia, o período joanino, onde reforma a Cidade Nova, Canal do Mangue, toda essa área. Então, se tem uma mudança a partir do que vai ser a Cancela, o caminho dos jesuítas e após a expulsão dos mesmos, passa a ser o caminho real e na República o Amaro Cavalcanti (1849 - 1922) retalha todo o caminho real e aqueles espaços, que eram a antiga Suburbana, passa a ser a Avenida Dom Helder Câmara e a Avenida Santa Cruz, em Santa Cruz, por exemplo.
Outro exemplo é a Avenida Automóvel Clube, em Caxias. Certa feita, vários alunos fizeram perguntas do tipo: "porque uma Automóvel Clube em Caxias, uma em Del Castilho e uma em Petrópolis?" e eu respondia: "Gente, é a mesma avenida". Agora, qual o sentido simbólico destas "retalhações" no período republicano? O objetivo de trabalhar esses roteiros é mostrar a vida simbólica que estes espaços foram adquirindo. Entretanto, fazer isso é dispendioso e precisa de transporte. Então, eu acho que os ex-caminhos coloniais e imperiais ainda estão vivos e presentes na nossa memória, mas porque eles foram transformados e reapropriados simbolicamente e que sentido isso passou a ter? Qual é o objetivo político e social disso? Através destes caminhos a gente tem uma facilidade de ficar em contato com a História do Rio de Janeiro, ou melhor: a História Social do Rio de Janeiro.
Outro exemplo é a Avenida Automóvel Clube, em Caxias. Certa feita, vários alunos fizeram perguntas do tipo: "porque uma Automóvel Clube em Caxias, uma em Del Castilho e uma em Petrópolis?" e eu respondia: "Gente, é a mesma avenida". Agora, qual o sentido simbólico destas "retalhações" no período republicano? O objetivo de trabalhar esses roteiros é mostrar a vida simbólica que estes espaços foram adquirindo. Entretanto, fazer isso é dispendioso e precisa de transporte. Então, eu acho que os ex-caminhos coloniais e imperiais ainda estão vivos e presentes na nossa memória, mas porque eles foram transformados e reapropriados simbolicamente e que sentido isso passou a ter? Qual é o objetivo político e social disso? Através destes caminhos a gente tem uma facilidade de ficar em contato com a História do Rio de Janeiro, ou melhor: a História Social do Rio de Janeiro.
6 - A região que hoje corresponde ao bairro de Santa Cruz foi no passado uma propriedade da família imperial. Qual a história desse bairro?
TCS: Antes dele ser propriedade da família imperial, uma das casas de verão da família ficava em Petrópolis, onde hoje é o Museu Imperial. A família imperial tinha a Fazenda Real de Santa Cruz, que eles adoravam. A gente diz Santa Cruz hoje como bairro, mas o alcance da fazenda ia até áreas que hoje é o próprio bairro de Santa Cruz, Itaguaí e chegava até Vassouras. Ela era muito grande. E as regiões onde hoje é Paracambi e Sepetiba também faziam parte desta fazenda. Tinha também o Engenho da rainha, que virou um bairro de mesmo nome que fica na Zona Norte carioca. Tinha também a praia de D. João VI (1767 - 1826), perto de onde hoje é o Cemitério do Caju. Havia também a casa de D. Carlota Joaquina (1775 - 1830), onde hoje é a Rua Marquês de Abrantes, no bairro do Flamengo. Então, a família real tinha várias residências. Entretanto, a preferida era a propriedade de Santa Cruz. Então, antes de ser propriedade real e é sempre bom falar isso, a propriedade pertencia aos jesuítas. Ela tinha um aldeamento próprio, a São Francisco Xavier de Itaguaí e depois foi ligado à Fazenda Real de Santa Cruz. E vale dizer que Santa Cruz foi adquirindo status, ela era uma fazenda, depois bairro desmembrado, o matadouro municipal do Rio de Janeiro passou a funcionar lá. Desta forma, Santa Cruz teve todas as características neste processo para ganhar o status de princesinha. Ela tem uma base aérea, os primeiros japoneses que chegaram ao Rio de Janeiro se estabeleceram ali, que era conhecida como Reta do Japonês e hoje é a Reta do Rio Grande.
Tem também uma questão particular minha e de minha família. A minha bisavó, quando veio para o Rio de Janeiro, na década de 1940, conviveu com os japoneses da colônia agrícola de Santa Cruz, que hoje virou conjunto habitacional. Na década de 1980 houve o boom de conjuntos habitacionais em Santa Cruz, que vão descaracterizando a marca rural da região. Santa Cruz tem toda essa importância simbólica.
Tem também uma questão particular minha e de minha família. A minha bisavó, quando veio para o Rio de Janeiro, na década de 1940, conviveu com os japoneses da colônia agrícola de Santa Cruz, que hoje virou conjunto habitacional. Na década de 1980 houve o boom de conjuntos habitacionais em Santa Cruz, que vão descaracterizando a marca rural da região. Santa Cruz tem toda essa importância simbólica.
7 - No início, o morro era o lugar onde a parcela abastada da população vivia. Com o tempo a situação se inverteu: os pobres subiram o morro e os ricos desceram o morro. Por que isso aconteceu?
TCS: Muito simples. O que era o Rio de Janeiro? Morros e pântanos. Então, essa elite quando chega, ocupa as áreas enobrecidas, que eram os morros. No processo de ocupação da cidade, o Rio de Janeiro aterra as suas lagoas e pântanos e desta forma essa população começa a descer. E o morro vai ficar para a população de baixa renda. E quando se aterra e coloca a Alfândega, os serviços públicos e administrativos, esta população começa a descer e acessar tais serviços. É válido falar que o Rio de Janeiro é a única cidade que destruiu seu sítio arqueológico. Estou falando do Morro do Castelo, que foi posto abaixo e teve suas terras usadas para aterrar parte da Urca, da Lagoa Rodrigo de Freitas, do Jardim Botânico e outras áreas baixas ao redor da Baía de Guanabara. E depois da Reforma Pereira Passos, os morros vão passar a ser vistos como um problema social por conta das habitações precárias existentes nos mesmos. No momento em que esta cidade é dominada, aterrada e submetida ao domínio do colonizador, essa elite vai descer.
8 - Você pode contar a história do Morro do São Carlos? Me lembro de você ter dito que no passado ele era uma grande fazenda.
TCS: Sim, chegou a ser fazenda no século XIX e tudo mais. Porém, o que acontece: com o desmembramento, ele passa a ser loteado e ele é um dos morros a ser primeiramente ocupado, não que não tivesse sido ocupado antes, mas a leva de ocupação dele surge com a Reforma Pereira Passos. No início do século XX, ele passa a ser majoritariamente habitado. Lembrando que ele ficava próximo à Pequena África, que hoje é a Praça Onze, que era reduto dos ex-escravos que vinham do Vale do Paraíba, mas também da Mineira e a gente tem uma parte do Morro do São Carlos que se chama Mineira, uma alusão aos migrantes mineiros. Você tem também uma parte colada à Mineira, a São José Operário, que tem esse nome por conta do fato de as primeiras casas a serem construídas eram dos operários e funcionários que ajudaram a construir o Presídio Frei Caneca que existiu na região. Então, o Morro do São Carlos tem esses espaços. Alguns o chamam de complexo, mas eu, antropologicamente falando, não gosto de trabalhar com o termo complexo. Isso porque o complexo passa a ideia de que tudo é homogêneo, quando não é. Se tem as particularidades nestes espaços. Destaque também para Portugal Pequeno, que passa a ser procurado por imigrantes portugueses e é sempre bom falar que a ocupação começa nas escadarias do morro, que são centenárias.
Destaque também para o Querosene, que tem esse nome por conta de uma fábrica de querosene que existiu na região. Então, o Morro do São Carlos tem todas estas particularidades. E isso sem contar com a área da Irmandade, que atravessa a Mineira, que era uma área contestada entre a Light e o Cemitério São Francisco de Paula, que hoje é tomado de pessoas. E não tem como deixar de falar na primeira escola de samba que surge aqui em 1928, a Deixa Falar.
Destaque também para o Querosene, que tem esse nome por conta de uma fábrica de querosene que existiu na região. Então, o Morro do São Carlos tem todas estas particularidades. E isso sem contar com a área da Irmandade, que atravessa a Mineira, que era uma área contestada entre a Light e o Cemitério São Francisco de Paula, que hoje é tomado de pessoas. E não tem como deixar de falar na primeira escola de samba que surge aqui em 1928, a Deixa Falar.
9 - Já ouvi de algumas pessoas, inclusive de você, que, mesmo tendo por perto a sede da prefeitura, o Morro do São Carlos é esquecido pelo poder público e também praticamente não há muitas ações sociais no mesmo. Qual a explicação para este fato?
TCS: Até existem algumas ações sociais, mas não são visibilizadas porque tem todo um histórico social que contribui para isso. Algumas favelas do Rio de Janeiro costumam ter várias ações sociais em seus territórios, o que não é bem o caso do Morro do São Carlos.
10 - Esta pergunta está relacionada a anterior. O Morro da Providência, que fica de frente para o Morro do São Carlos, tem em seu espaço muitas ações sociais e por vezes é visitado por artistas como Madonna. O que faz o Morro da Providência ter esse perfil?
TCS: É porque o Morro da Providência é a primeira favela da cidade do Rio de Janeiro. Era chamado de Morro da Favela, onde os combatentes da Guerra de Canudos (1896 - 1897), ao voltarem do combate, começaram a ocupar o morro e a chamar o mesmo de Morro da Favela. Para quem não sabe, favela é uma planta que eles encontravam nos arredores do morro. Com o tempo, a favela passou a ser vista como um problema social. Antes haviam os cortiços, que eram palacetes abandonados pela burguesia, que alugavam os mesmos e iam para a Zona Sul. No século XX, morar de frente para o mar passou a ser símbolo de status.
11 - Falando em Morro da Providência, estou me lembrando neste momento da novela Lado a Lado (2012), exibida pela Rede Globo e que conta a história da fundação do morro. Como bom noveleiro que você é e que gosta de fazer análises político-sociais a partir de novelas, o que você achou desta novela? A história do Morro da Providência foi contada de forma fidedigna?
TCS: Eu não posso dizer que foi fidedigna (risos). É uma novela e por conta disso ela não vai atender a demandas puramente criticas porque ela precisa de audiência para continuar sendo exibida. Teve algumas falhas e acertos, mas a nível cronológico e um pouco político, pode-se dizer que tentou fazer um pouco do que foi a proposta da novela. Entretanto, aquelas discussões de nível sócio-político não foram levadas a fundo, como por exemplo a questão da capoeira, que poderia ter sido abordada de forma menos estigmatizada. Teve também a questão do futebol, que eu achei interessante. Os jogadores negros, que tinham que passar pó de arroz no rosto e brilhantina nos cabelos para poderem jogar, uma vez que naquela época o futebol era um esporte de elite e os negros não tinham permissão para praticar o mesmo.
Infelizmente, vivemos em uma sociedade que não dá ênfase a leitura. Então, o povo vai aprender a História do Brasil por meio das escolas de samba e das novelas históricas. Isso é bom por um lado, mas não traz à tona essas denúncias sociais que uma novela não se propõe a fazer com profundidade. E isso não é uma crítica ao autor ou ao formato de uma novela. Não estou dizendo que não se deve aprender a história por meio de samba enredo e novelas, mas a questão é que a ênfase de você aprender a história do país por tais meios é muito pífia.
Infelizmente, vivemos em uma sociedade que não dá ênfase a leitura. Então, o povo vai aprender a História do Brasil por meio das escolas de samba e das novelas históricas. Isso é bom por um lado, mas não traz à tona essas denúncias sociais que uma novela não se propõe a fazer com profundidade. E isso não é uma crítica ao autor ou ao formato de uma novela. Não estou dizendo que não se deve aprender a história por meio de samba enredo e novelas, mas a questão é que a ênfase de você aprender a história do país por tais meios é muito pífia.
12 - E o que você tem a dizer sobre o Complexo da Maré, que tem em seu território todo tipo de ONG (Organização Não-Governamental) e chega até a ter uma clara disputa de poder, com ONGs atuando no mesmo espaço territorial e visando os mesmos propósitos?
TCS: A Maré é uma favela que nasceu pressionando o poder público. Havia uma luta muito grande entre associação de moradores e Getúlio Vargas (1882 - 1954). Era uma luta da Maré com o Executivo e nessa luta os moradores da Maré foram percebendo que eles não poderiam se acomodar, principalmente depois do período de industrialização, quando a construção da Avenida Brasil se inicia e as ocupações nas redondezas se multiplicam; e se não se articulassem e negociassem, eles não conseguiriam várias positividades por parte do poder público naquele espaço. Então, o diálogo entre o poder público e agentes sociais tem essa linha histórica de continuidade muito grande. E ela nasce do embate pela própria sobrevivência porque caso contrário, tudo teria sido aterrado e os moradores teriam sido expulsos de lá.
A própria Nova Holanda, que seria uma favela temporária, acaba se tornando um espaço fixo de moradia e então as forças sociais presentes passam a ter uma visibilidade maior. Então, essa iniciativa, não só privada, mas também pública, precisa estar o tempo inteiro visível com aqueles atores sociais. Aqueles atores sociais são visíveis para aquele espaço ali.
A própria Nova Holanda, que seria uma favela temporária, acaba se tornando um espaço fixo de moradia e então as forças sociais presentes passam a ter uma visibilidade maior. Então, essa iniciativa, não só privada, mas também pública, precisa estar o tempo inteiro visível com aqueles atores sociais. Aqueles atores sociais são visíveis para aquele espaço ali.
13 - Uma pessoa que não conhece a cidade do Rio de Janeiro pode achar que o bairro do Recreio dos Bandeirantes é perto de bairros nobres como Ipanema e Lagoa, quando na verdade é um bairro mais distante e que fica próximo de bairros como Tanque, Anil e Freguesia; em Jacarepaguá. Por que o Recreio dos Bandeirantes é associado a bairros da Zona Sul carioca?
TCS: Porque é um bairro feito para a elite. O Recreio dos Bandeirantes, desde que ele existe, ele é associado a empreendedores paulistas que tinham capital suficiente para residir naquele bairro. É daí que vem o nome do bairro: Recreio dos Bandeirantes, uma referência aos bandeirantes, homens que adentraram o Brasil durante o período colonial para expandir e explorar o território brasileiro, além de capturar a população indígena para usar os índios como escravos. A imobiliária organizava um pique-nique onde os futuros moradores almoçavam e este pique-nique costumava ser realizado no Portal de Sernambetiba. O Recreio dos Bandeirantes foi criado para isso: abrigar a elite.
14 - Tiago, é sempre muito enriquecedor entrevistar você. Para finalizar, peço que você deixe uma mensagem para os leitores do blog A Hora.
TCS: Leiam o blog A Hora. As entrevistas que têm ali possuem um caráter democrático e simbólico a nível de participação muito grande. Você tem atores sociais que contribuem para uma discussão crítica e necessária para se entender os problemas sociais e culturais que estão em voga. Há essa passagem de um resgate histórico onde se está sempre indo a fundo no cerne das questões sociais e das questões mais emblemáticas a serem colocadas em debates públicos. É um momento em que a gente tem que debater cada vez mais.
Adorei a entrevista, Marllon. Acredito que seria uma aluna assídua às aulas de Tiago. Já anotei a referência bibliográfica. Agradeço a aula. Desejo ainda mais sucesso para vocês dois. Janaina
ResponderExcluirObrigado por comentar e fico feliz que tenha gostado. 😉
ResponderExcluir♡
ExcluirCongratulo-me com o blog pela excelente entrevista. Sou suspeita, porque tenho o privilégio de colaborar com o professor Tiago em um cursinho de educação popular; além de excelente profissional é uma figura humana das mais doces que já conheci. Virarei leitora do blog, com certeza.
ResponderExcluirCongratulo-me com o blog pela excelente entrevista. Sou suspeita, porque tenho o privilégio de colaborar com o professor Tiago em um cursinho de educação popular; além de excelente profissional é uma figura humana das mais doces que já conheci. Virarei leitora do blog, com certeza.
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