Eurico Miranda (1944 - 2019) com a Cruz de Malta, símbolo do Vasco, ao fundo. Eurico não é uma figura unânime entre torcedores e não torcedores do Vasco da Gama. Imagem: Reprodução. |
A dualidade bem ou mal definitivamente não serve para definir Eurico Miranda (1944 - 2019), se é que a mesma serve para definir alguém. Uns o amam e outros o odeiam e em tempos em que o clube Vasco da Gama corre o real risco de rebaixamento, os saudosos da gestão Eurico Miranda (1944 - 2019) têm sentido saudades dos tempos em que o mesmo era vice de futebol do clube e depois presidente do mesmo.
Descendente de portugueses, Eurico Miranda (1944 - 2019) era filho de portugueses que vieram para o Brasil a fim de escapar do regime de Antônio Salazar (1889 - 1970). Foi criado na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, área nobre da cidade e estudou no colégio Santo Inácio, tradicionalmente frequentado por parte da elite carioca. Entretanto, foi convidado a se retirar do mesmo por conta de constantes brigas e por ir à escola com a blusa do Vasco por cima do uniforme, o que era proibido. Curiosamente, Eurico nunca foi visto usando a camisa do time. Cursou Fisioterapia e também Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC - Rio).
Foi nos tempos em que era estudante da PUC que Eurico passou a exercer atividades administrativas e políticas no Vasco da Gama. Foi Diretor de Cadastro em 1967, Vice-presidente de Patrimônio em 1969, foi assessor especial de Alberto Pires Ribeiro em 1980 quando este se torna presidente do Vasco e representante do clube na FERJ (Federeração de Futebol do Estado do Rio de Janeiro). Em 1988, Eurico aceitou o pedido do então presidente do Vasco Antônio Soares Calçada para assumir a vice-presidência de futebol do Vasco da Gama. Era o início de um período glorioso na história do clube, não só, mas principalmente no futebol. Com Eurico, o vasco conquistou o Campeonato Brasileiro de 1997, a Taça Libertadores da América de 1998, a Copa João Havelange de 2000 e a Copa Mercosul de 2000.
Da esq. para a dir.: Nelson, Pedrinho e Donizete comemoram o título da Libertadores da América de 1998. Imagem: Agência Getty Images. |
Por volta dos anos 2000 e com o imenso prestígio alcançado quando exercia o cargo de vice-presidente de futebol do Vasco, Eurico é eleito presidente do Vasco após inúmeras tentativas fracassadas e depois de haver tentado pela última vez 14 anos antes. Foi reeleito em 2003 e chegou a dizer que seria a última vez que presidiria o clube de coração, mas voltou atrás e se candidataria outras vezes. Eurico parecia gostar do poder. Aliás, quem não gosta? A partir de seu segundo mandato, a imagem de prestígio que Eurico havia construído durante décadas de atuação no Vasco começou a ruir e nas eleições para o mandato de 2007 - 2009, derrotou o ídolo do clube Roberto Dinamite no pleito, mas foi acusado de compra de votos e adulteração do resultado das eleições. Após muitas barreiras colocadas por Eurico, a eleição foi impugnada e um novo pleito foi realizado, onde o candidato indicado por Eurico (o mesmo havia se recusado a se candidatar novamente) perdeu as eleições. Eurico Miranda (1944 - 2019) tentou fraudar as eleições no Vasco pelo menos uma vez mais. Em 2017, o então mandatário cruz-maltino chegou a ser intimado a depor em uma delegacia por suspeita de fraude nas eleições presidenciais do Vasco. E vale dizer que, se Eurico fez um excelente trabalho enquanto vice de futebol, o mesmo não se pode dizer enquanto presidente do clube. O Vasco da Gama foi rebaixado duas vezes com a participação direta de Eurico.
Eurico Miranda (1944 - 2019) tentou assumir a presidência do Vasco inúmeras vezes e tentou permanecer no cargo outras tantas, mesmo que para isso tivesse que recorrer a meios ilegais. Esta prática nos remete ao patrimonialismo, prática histórica no Brasil e que consiste em um Estado que não possui distinções entre os limites do público e do privado. Ao tentar se reeleger tantas e tantas vezes no Vasco, Eurico tratou o clube, um bem público, como algo particular da qual pudesse lucrar com isso. E aqui vale citar que Eurico esteve envolto em irregularidades muitas vezes ao longo da vida e em algumas delas envolviam o Vasco. Além das tentativas fraudulentas de tentar ser presidente, Eurico Miranda (1944 - 2019) foi acusado em pelo menos duas vezes de desviar recursos do Vasco da Gama. Em julho de 2002, o jornal carioca Extra afirmou que Eurico havia desviado R$ 20 milhões das finanças do Vasco. Eurico se sentiu difamado pela notícia e o caso foi para a Justiça, mas o então mandatário cruz-maltino perdeu o processo e foi obrigado a pagar os custos do processo e os honorários dos advogados. Em 2007, houve uma investigação a fim de averiguar se houve desvio de dinheiro na venda do então jogador Paulo Miranda ao clube francês Bordeaux no ano de 2001. Logbi Henouda, empresário que participou da negociação, afirmou que o time francês pagou US$ 5, 94 milhões pelo jogador, mas que Eurico Miranda teria declarado apenas R$ 2 milhões.
Além de exercer o patrimonialismo com relação ao Vasco da Gama, Eurico agiu como se o clube fosse uma capitania hereditária, ou seja: uma propriedade particular passada aos descendentes. Durante um tempo, Eurico Miranda (1944 - 2019) preparou o terreno para que o filho Eurico Brandão, conhecido também como Euriquinho, o sucedesse no Vasco. Isso vinha acontecendo pelo menos desde 2015, quando o site do jornal O Globo publicou algumas reportagens sobre a atuação de Euriquinho no Vasco sob o aval do pai, bem como o mal-estar causado por isso; e em 2016 Eurico e o filho atuaram em conjunto nas decisões do departamento de futebol, onde a palavra final sempre ficava com o então mandatário. Atualmente, Euriquinho é vice de futebol do Vasco da Gama.
Euriquinho, atual vice de futebol do Vasco da Gama, em conversa com o pai. Imagem: Rafael Moraes/ Agência O Globo. |
Conclusão
Eurico Miranda (1944 - 2019) foi um reflexo da sociedade brasileira com relação ao Vasco da Gama ao reproduzir práticas históricas no Brasil como o patrimonialismo e as extintas capitanias hereditárias. Patrimonialismo porque usou de um bem público (o Vasco da Gama) para benefícios pessoais e capitania hereditária porque tratou o Vasco como um bem pessoal que pode ser passado de geração para geração. E com relação a atuação de Eurico Miranda (1944 - 2019) no Vasco da Gama, como vice-presidente de futebol e depois como presidente, era será lembrado como o homem que conduziu o time ao maior período de glória de todo a história do Vasco; como também o homem que levou o Vasco a dois rebaixamentos, que foi acusado de roubar o clube e cometer outras irregularidades com relação ao mesmo, bem como por indicar o próprio filho para o suceder no Vasco da Gama.
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