13/07/2017

As cotas raciais e o combate ao racismo

Imagem: Reprodução.

     Historicamente, os negros estão na base da pirâmide social. Isso significa que eles recebem os menores salários, exercem trabalhos perigosos e precários  e são historicamente exterminados. A política de cotas raciais tem a finalidade de mudar esse panorama, mas sozinhas não são capazes de mudar muita coisa.

Imagem: Reprodução.

     Ao longo da História, o negro é tratado da pior forma possível no Brasil. Ele foi escravizado, tirado de sua terra, de suas origens, de seu povo e das pessoas que amava. Em terras brasileiras, tiveram seus nomes trocados, foram impedidos de viverem a sua cultura e religiosidade. Em fins do século XIX, a escravidão chegou ao fim no Brasil, mas isso não mudou profundamente a vida dos negros e escravizados. Isso porque a estrutura social continuou sendo a mesma, deixando a população negra na base da pirâmide. Esta situação permaneceu ao longo da história do Brasil República.
     Além disso, os negros recebem os piores tratamentos. São eles que ficam com os piores empregos, são eles quem recebem os piores salários, são eles que mais abandonam a escola e são eles os que mais morrem pelas mãos da Polícia Militar. Ao contrário do que muita gente pode pensar, o racismo não é somente social: ele também é estrutural, sendo uma das bases da pirâmide social e econômica brasileira. Isso leva a conclusão de que no Brasil, além da desigualdade social, há também a desigualdade racial. Na prática, isso significa que uma pessoa negra raras vezes está em pé de igualdade com uma pessoa branca na hora de estudar, procurar emprego ou fazer prova para um concurso. Estas afirmações feitas neste parágrafo não é "mimimi" ou coisa parecida: há inúmeras pesquisas que comprovem o que foi dito aqui. Em agosto de 2016, foi divulgado o Mapa da Violência 2016: homicídios por armas de fogo no Brasil. Neste relatório, foi constatado que a maioria das vítimas eram jovens negros. De acordo com as estatísticas, no período entre 2003 e 2014, o número de homicídios por armas de fogo dentre a população branca diminuiu 26,1% e dentre a população negra aumentou aumentou 46,9%. Enquanto no ano de 2003 morriam, proporcionalmente, 71,7% mais negros do que brancos, em 2014 esse número saltou para 158,9%, ou seja: morrem 2,6 mais negros do que brancos no país.

Imagem mostrando Claudia Silva Ferreira já morta sendo arrastada por uma viatura da Polícia Militar. As imagens tiveram repercussão nacional e internacional. Imagem: Reprodução. 

     O Atlas da Violência 2017 aponta que, além de serem maioria entre as vítimas fatais de agressão, as mulheres negras são tão também as que mais morrem pelas mãos do Estado, nas chamadas "intervenções legais e operações de guerra". Entre os anos de 2005 e 2015, 52% das mulheres pretas ou pardas foram vitimadas pelo braço armado do Estado, como por exemplo a carioca Claudia Silva Ferreira, baleada e arrastada por uma viatura policial no ano de 2014 e Luana Barbosa dos Reis, espancada pela polícia na cidade de Ribeirão Preto (SP) no ano de 2016.

Imagem: Reprodução. 

     São pelas razões apresentadas acima que as cotas raciais são extremamente necessárias. Isso porque, da mesma forma que ainda há uma aguda desigualdade social no pais, há também uma desigualdade racial no Brasil. O objetivo das cotas raciais em concursos públicos é sanar esta mesma desigualdade. As cotas raciais são válidas e uma vitória do movimento negro. Ao contrário do que muita gente pensava (e ainda pensa), as cotas, sejam elas sociais ou raciais, não rebaixaram a qualidade do ensino universitário. Há pesquisas que comprovam que o rendimento de um universitário que entrou na universidade pela política de cotas é igual e até mesmo superior ao daqueles que não ingressaram por tal política. É também graças a política de cotas raciais que o número de estudantes negros universitários no Brasil aumentou 232% na comparação entre 2000 e 2010. Os dados são do infográfico Retrato dos negros no Brasil feito pela Rede Angola. A matéria que contém tais informações é de 2014 e pode ser lida aqui.
     As cotas raciais são uma ferramenta fundamental no combate ao racismo. Entretanto, esta medida é paliativa e, com isso, não é capaz de pôr um fim no racismo ainda latente no país. O racismo no Brasil é estrutural e se manifesta na mídia, na dramaturgia, na educação, na saúde e no mundo da moda por exemplo. Ou seja: o racismo está presente na maioria (ou em todas) das esferas da sociedade brasileira. Desta forma, para o racismo ser erradicado, é necessário a ação conjunta de toda a sociedade. De nada adianta o número de negros na universidade ter aumentado se a grande maioria deles não consegue ir adiante. De nada adianta haver cotas raciais em concursos para se tornar diplomata se os negros ainda são vistos como ladrões e/ou profissionais do sexo por uma parcela considerável da população. Além disso, o Estado precisa rever o seu comportamento genocida para com a população negra. Sim, pois a partir do momento em que o Estado nega serviços de saúde e saneamento básico para bairros habitados majoritariamente por negros (que no caso são as favelas), ele está matando a população. A Polícia Militar, braço deste mesmo Estado genocida, precisa urgentemente largar esse hábito de ver o negro como suspeito (há quem defenda a desmilitarização e até o fim da mesma) porque, ao contrário do que muita gente pensa e é noticiado, a PM não é mal treinada. Muito pelo contrário. Ela é treinada justamente para entrar de modo arbitrário nas favelas e matar a população negra. Não tem como falar desta questão e não abordar a proibição das drogas. Usando o argumento de combater o tráfico de drogas, a polícia entra nas favelas e mata os jovens negro. Entretanto, este argumento não se sustenta, pois se houvesse o real interesse em combater o tráfico de drogas, o Estado mandaria a polícia para os aeroportos e para as fronteiras. A favela é a ponta do iceberg monstruoso que  é o tráfico de drogas, um mercado que movimenta por ano no Brasil R$ 1,4 bilhões e US$ 320 bilhões no mundo. Além disso, se as drogas são proibidas para o jovem da periferia, para o morador de bairros nobres ela é liberada. Em universidades e praias de lugares nobres da cidade do Rio de Janeiro (e dos demais estados) é comum ver jovens brancos e de classe média usando drogas normalmente.

Imagem: Reprodução. 

     Como está sendo dito aqui, todas as esferas da sociedade (inclusive as que não foram citadas neste texto) precisam tomar medidas para combater o racismo, uma vez que ele é estrutural. Entretanto, se o objetivo é erradicar o racismo da sociedade, deve-se começar pela base: a educação. A educação é a base de tudo e seu potencial é transformador. É por isso que governos, temendo uma rebelião, investe tão pouco em educação. É por esta razão também que em ditaduras a educação é a primeira a sentir os reflexos de um governo ditatorial. E é por isso também que muitos políticos reacionários defendem o Escola Sem Partido, projeto inconstitucional e que visa findar a "doutrinação de esquerda" presente em muitas escolas. Na verdade, o que eles temem é o potencial transformador da educação. Desde 2003 que o ensino de História da África é obrigatório nas escolas. Porém, muitos professores ignoram esta lei. As razões para isso são muitas. Muitos docentes pouco ou nada estudaram acerca do continente africano na universidade, em muitas escolas o currículo quase nunca é cumprido e nisso a História da África é a que mais sofre. Há também a questão religiosa. Muitos professores e pais de estudantes que partilham da fé cristã se fecham para o estudo da África sob o argumento de que a religiosidade do continente africano e a sua história em si são demoníacos. A lei que obriga o ensino de História da África nas escolas existe há 14 anos, mas não há muito o que comemorar.
     Se o professor de História tem que ensinar a história do continente africano, ele deve então receber uma formação adequada para tal, coisa que ainda não acontece em muitas universidades. Há cursos que oferecem uma única disciplina obrigatória destinada ao ensino de História da África. A mesma tem de ser subdividida entre imperialismo na África (século XIX) e independência dos países africanos (século XX), o que é muito pouco porque são muitos assuntos para ser abordado em um único semestre. O continente africano é complexo demais para ser abordado em uma única disciplina. Além disso, a África não existe desde o imperialismo, pelo contrário. Porém, nas universidades ela é estudada a partir do imperialismo, como se só existisse a partir dali, o que não é verdade. Isso sem contar que a História da África é uma sub-área dentro de História Contemporânea. Ela não tem uma cadeira própria, como tem por exemplo a História do Brasil, a História da América, a História Moderna e História da Idade Média. A história vista nos cursos de História é a da Europa e isso é feito desde a Antiguidade Clássica (Grécia e Roma) até o século XX, mais precisamente até a Guerra Fria (1945-1991). O mesmo acontece com a História do Brasil, que é vista desde quando o país era colônia de Portugal até o Golpe Civil-Militar de 1964. Coisa parecida acontece com a História da América, onde se estuda as teorias de como os humanos chegaram ao continente americano até a Revolução Cubana  (1959) e as ditaduras civis-militares que foram impostas em muitos países da América Latina ao longo do século XX. Desta forma, por que a África não é estudada desde as teorias que explicam porque ela é o berço da civilização até as independência de seus países no século XX? Material para isso é o que não falta.

A Coleção História da África, organizada pela UNESCO, vai até o volume 8 e é sem dúvidas a obra mais completa acerca do continente africano. Imagem: Reprodução. 

Conclusão

     As cotas raciais são uma vitória do movimento negro, que tanto lutou pelas mesmas. Não se pode negar que as cotas raciais são uma ferramenta fundamental no combate ao racismo estrutural da sociedade brasileira. Foi com as cotas raciais que muitos negros tiveram acesso ao ensino superior, foram aprovados em concursos e conseguiram ser diplomatas. Porém, uma vez que o racismo é estrutural, é somente com a ação conjunta de diversos setores da sociedade que o racismo será erradicado. Isso se essa mesma sociedade racista estiver disposta a eliminar o racismo. 

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