Registro de uma greve geral ocorrida no Brasil no ano de 1917. A corrente anarquista foi a grande inspiração deste movimento. Imagem: Reprodução. |
"A luta popular não é um evento que nasce grande. Evento que não se torna fato político é vento. A luta que nasce monstra tende a morrer, assim como a luta que não cresce tende a desaparecer. A luta, como uma fonte de água, precisa virar riacho, tornar-se rio e chegar ao mar. A experiência local deve irradiar-se e alcançar a dimensão nacional e até internacional. Por isso, a luta popular que tem como horizonte a transformação prioriza a parte, como ponto de partida, porque seu objetivo é a inclusão do todo, como ponto de chegada." PELOSO, Ramulfo (org.). Trabalho de base.
Antes de falar em trabalho de base, é preciso dizer primeiramente o que é Educação Popular. Segundo o livro Trabalho de base, organizado por Ramulfo Peloso, cuja citação abre este texto, "Educação Popular é o esforço de mobilização, organização e capacitação das classes populares para o exercício do poder". Esta visão de formação escolhe por um dos lados da luta de classe, escolhe por quem se dispõe a um processo de transformar pela raiz a estrutura da sociedade capitalista. A Educação Popular contribui "na divulgação e recriação do conhecimento; na construção e implantação da estratégia de uma organização popular; na qualificação de militantes para a luta de classes; na elevação do nível de consciência da classe oprimida e na incorporação do povo como protagonista; na tradução das ideias e na aplicação da metodologia popular, com o compromisso da multiplicação criativa" (TRABALHO DE BASE, 2012: p. 9).
Ainda segundo o livro Trabalho de base, o "trabalho de base é parte indispensável da luta popular. O trabalho de base é a condição e o sustento do trabalho político e do trabalho de massa; o trabalho político e o trabalho de massa devem ser a expressão e a consequência do trabalho de base. O trabalho de base é a ação política transformadora, realizada por militantes de uma organização popular, que mete o corpo em uma realidade concreta, para despertar, organizar o povo na solução de problemas do cotidiano e ligar essa luta à luta geral contra a opressão.
O trabalho de base só pode ser feito por militantes. Militante é alguém nascido do povo, que coloca sua vida a serviço desse povo e une seu projeto de vida pessoal ao projeto da luta coletiva. Militante tem causa, projeto, estratégia, método e participa de uma organização. Militante não se elege; se reconhece pela sua entrega, disposição e preparo. Essa primazia não é o resultado de seus desejos, mas da confiança das pessoas em sua inteligência, energia e devotamento". (TRABALHO DE BASE, 2012: p. 10)
O trabalho de base foi um instrumento essencial que fez o Partido dos Trabalhadores (PT) ser o maior partido de esquerda da América Latina. Imagem: Reprodução. |
Ao longo da história, o trabalho de base foi essencial para a esquerda mundo afora. Foi por meio do trabalho de base que a esquerda obteve popularidade e vitórias importantes. Além disso, foi através do trabalho de base que o Partido dos Trabalhadores (PT) se tornou o maior e mais importante partido de esquerda da América Latina. Independente do rumo que o PT tomou ao longo dos anos, o fato é que foi graças ao trabalho de base que o partido em questão chegou onde chegou. E é graças ao trabalho de base que o PT ainda é um partido bastante popular, em especial entre os mais pobres. O que comprova isso é a popularidade de Lula, considerado um dos presidentes mais populares desde Getúlio Vargas (1882-1954) e que aparece na liderança das pesquisas de intenções de voto para Presidente da República. A grande mídia tem consciência deste fato e é justamente por isso que Lula é constantemente massacrado pela mídia golpista.
Marcelo Crivella (PRB, à esquerda) e Marcelo Freixo (PSOL, à direita). Ambos candidatos disputaram a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. A vitória ficou com o primeiro. Imagem: Reprodução. |
Entretanto, nos últimos tempos o PT e a grande maioria dos partidos de esquerda brasileiros têm abandonado o trabalho de base e focando somente na política institucional, gastando tempo e energia em campanhas eleitoras. A política institucional é importante e em algum momento será preciso recorrer a ela. Porém, focar apenas a política institucional não é o caminho para o povo chegar ao poder. Além disso, os partidos de esquerda brasileiros nos últimos anos atuam basicamente na universidade. Seus militantes são universitários, que estão presentes nos Centros Acadêmicos realizando debates e saraus por exemplo. Além das universidades, outro campo de atuação da esquerda no Brasil é basicamente os bairros nobres do país. As favelas, periferias e áreas pobres de maneira geral são praticamente ignorados pela esquerda brasileira na atualidade. Estas mesmas áreas têm sido o campo de atuação das igrejas pentecostais e neo-pentecostais. Eles estão fazendo um trabalho que a esquerda deixou de fazer. É fato que o projeto político-ideológico deles é diferente do da esquerda, mas eles estão lá. Nas eleições de 2016, Marcelo Freixo (PSOL) e Marcelo Crivella (PRB) foram para o segundo turno a fim de disputar a Prefeitura do Rio. Me recordo que mal saiu o resultado de que os então dois candidatos em questão estariam no segundo turno, uma série de coisas absurdas e sem fundamento sobre o Freixo foram ditas aos "quatro ventos". Diziam que Marcelo Freixo iria liberar as drogas, o aborto, iria soltar todos os bandidos que estivessem presos, iria forçar as crianças a mudarem de sexo, iria transformar a cidade do Rio em uma nova Cuba e por aí vai. Sendo que, é importante frisar, Freixo estava se candidatando a Prefeitura da cidade do Rio e tais ações aqui citadas não podem ser realizadas por um prefeito. As responsabilidades de um prefeito são: cuidar do saneamento básico, cuidar das escolas municipais, dos hospitais municipais e do transporte municipal. Uma das razões que contribuíram para a derrota de Freixo foi o afastamento da esquerda das massas e a forte presença das igrejas evangélicas nas periferias, que foi fundamental para a vitória de Crivella.
Atualmente, a esquerda brasileira, além de atuar basicamente em universidades e bairros nobres, tem focado atos performáticos, que são showmícios, passeatas e manifestações por exemplo. A esquerda realiza atos de grande visibilidade, mas que não trazem nenhuma mudança política profunda. É como diz a citação que abre este texto: "A luta popular não é um evento que nasce grande. Evento que não se torna fato político é vento. A luta que nasce monstra tende a morrer (...)". Estes atos performáticos devem ser vistos como o fim, e não o começo de um longo processo. É preciso pensar o antes e o depois destes mesmos atos. Grandes manifestações por si só não são capazes de grandes efeitos.
Conclusão
O trabalho de base é uma ferramenta essencial e foi com este mesmo instrumento que movimentos populares mundo afora conquistaram vitórias importantes. Foi também graças ao trabalho de base que o PT se tornou no maior e mais importante partido de esquerda da América Latina. A esquerda brasileira deixou de usar esta ferramenta vital e agora está pagando o preço por isso. Se o desejo é uma mudança na estrutura social, é preciso começar junto daqueles que estão na base desta mesma estrutura: as massas.
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