O historiador, escritor e professor Mario Sérgio Santana é o entrevistado do mês de junho do blog A Hora. Imagem: Reprodução Facebook. |
Como vocês já sabem muito bem, 2018 é ano de Copa do Mundo e por conta disso, eu tenho escrito aqui muitos textos que falam do futebol sob uma ótima político-sociológica. A Copa do Mundo ocorre em junho, mesmo mês do aniversário das Assembleias de Deus no Brasil, que neste ano completa 107 anos de existência. Por conta disso, eu dei uma pequena interrompida nos textos específicos sobre futebol para publicar uma entrevista com Mario Sérgio Santana, grande estudioso desta denominação.
Mario Sérgio Santana é nascido e criado em Joinville (Santa Catarina). É formado em História pela Universidade da Região de Joinville (Univille), pós-graduado em História Cultural pela AUPEX, professor da rede pública de ensino, coautor de O Reino entre príncipes e princesas: 75 anos de história da Assembleia de Deus em Joinville e Entre flores e espinhos: O Espírito em movimento na Assembleia de Deus. Além disso, Mario Sérgio é editor do blog Memórias das Assembleias de Deus e administra uma página no Facebook de mesmo nome. Nesta entrevista, falamos da história das Assembleias de Deus, a política no meio assembleiano, as transformações ocorridas dentro desta denominação, a tolerância do futebol entre os assembleianos (um tabu há muitos anos atrás) e muito mais. Confira:
1 – A Hora: Tenho o hábito de iniciar minhas
entrevistas perguntando sobre a infância do entrevistado. Você pode me falar
como foi a sua?
Mario Sérgio Santana: Sou
nascido e criado em Joinville, Santa Catarina. Meus pais, em 1970, saíram de
Itajaí (SC) com Márcio, meu irmão mais velho e aqui fixaram residência. Em 1972 eu
nasci e em 1978, Karina, minha irmã mais nova, nasceu. Cresci num bairro de origem
alemã e estudei sempre em escolas públicas. Éramos de família muito humilde.
Lembro que em anos de inverno rigoroso, tínhamos poucas roupas apropriadas.
Certa vez, fui pra escola com 5 blusas finas, pois o frio era intenso. Uma
blusa de lã que minha mãe comprou foi usada por mim e meus irmãos. Tempo de
dificuldades, simplicidade e muitas brincadeiras na rua.
2 - AH: Você é membro da Assembleia de
Deus?
MSS: Sou
membro da Assembleia de Deus desde a minha adolescência. Aos 14 anos de idade,
no dia 31 de agosto de 1986, aceitei Jesus como meu Salvador.
3 - AH: O que o levou a criar o blog Memórias das Assembleias de Deus e
uma página no Facebook de mesmo nome?
MSS: A
necessidade de compartilhar informações e estudos da história das Assembleias
de Deus de forma mais contextualizada e sem tantos filtros que a história
oficial da denominação impõe. Percebi que faltava um espaço exclusivo para
isso.
Na
fanpage do Facebook, eu destaco mais as fotos e imagens com comentários sucintos.
No blog, aproveito para aprofundar certos temas que normalmente não estão nos
livros e biografias da denominação; além de poder divulgar alguns trabalhos. Recebo também teses, livros, fotos e comentários de pessoas que querem de
alguma forma contribuir para as páginas.
4 - AH: Como você definiria o modo como
os assembleianos escrevem a sua própria história? Os membros da Assembleia de
Deus têm uma preocupação em registrar suas memórias?
MSS: Olha,
é uma tradição nas Assembleias de Deus escrever a história com a finalidade
única de edificação dos crentes. Tudo é muito bonito e harmonioso sem, contudo,
observar o contexto ou cultura. A história oficial assembleiana ganha até da
Bíblia em termos de "santidade". A Bíblia fala dos grande feitos dos
seus homens e mulheres, mas também registra suas paixões, erros e desavenças.
Porém, na história oficial assembleiana, os principais líderes estão acima do
bem e do mal. São intocáveis. Isso está tão assimilado na mentalidade de muitos
crentes, que uma das maiores críticas que recebo é pela exposição de certas
controvérsias e polêmicas, que passam ao largo das páginas e sites da
denominação.
Hoje,
com o advento das redes sociais muito das narrativas oficiais já estão sendo de
pronto contestadas. A internet também possibilita a divulgação de documentos e
fotos que são uma verdadeira delícia aos pesquisadores. Mas tudo é muito
imediatista, fragmentado e sem contexto. Nesses anos de pesquisa e busca por
maiores informações, percebo que fora da iniciativa da igreja enquanto instituição,
poucos membros se preocupam ou podem divulgar seus acervos ou publicar algo.
Aqui
em Santa Catarina, há duas filhas de um dos pioneiros da Assembleia de Deus no estado que têm um verdadeiro museu em casa. Elas têm revistas, Bíblias, livros e Estatuto da Igreja. Tudo isso está lá ocupando a sala do apartamento. Mas
ninguém vai lá e faz uma proposta para arquivamento e conservação do acervo.
Só
quando chega o tempo de comemorações de 75, 80, 85 ou 100 anos das igrejas é
que a preocupação com a história aparece. E muitas vezes é feito algo em cima
da hora, com imprecisões, erros e omissões históricas. Ultimamente, nem a
própria história oficial está sendo feita de forma caprichada. Alguns sites de ministérios conhecidos, famosos e com recursos nada apresentam em termos de
informações históricas.
5 - AH: Em junho de 2018, as Assembleias
de Deus no Brasil completam 107 anos de existência. Qual a situação desta
denominação no século XXI?
MSS: Eu
penso em fragmentação. Meu amigo, o historiador Maxwell Fajardo usa o conceito
de esgarçamento. Mas, o que impera hoje mesmo, é o "cada um por si e Deus
por todos". Nos primórdios, os pioneiros tinham suas desavenças, mas
parece que havia um sentimento maior de, por estarem construindo a denominação, tolerância e pacificação.
Atualmente,
as gerações de líderes, que somente estão colhendo os frutos daquilo que os pioneiros semearam
- não quero generalizar - pensam em garantir para si e suas famílias o reino
nessa terra. As Assembleias de Deus estão cada vez mais fragmentadas e muitos ministérios descaracterizados. Em comum só o nome e as origens sempre
relembradas nas festividades.
É
triste, pois nessas disputas por poder, cargos e influência, coisas vitais se
esquecem, como por exemplo a evangelização de muitos povoados no interior do Brasil e o
potencial da igreja para realizar a obra de missões.
6 - AH: 2018 é ano de eleições
presidenciais no Brasil. Durante muito tempo se acreditou (e ainda há quem
acredite) que política não é coisa para cristão, uma vez que a pátria do mesmo
é celestial. Entretanto, nos últimos anos os cristãos, em especial os
assembleianos (que têm mais cadeiras da Bancada Evangélica no Congresso
Nacional), têm entrado com tudo na política. Por que houve uma mudança no
discurso?
MSS: Lá
pela década de 1980, na redemocratização do Brasil e a nova Constituição, o
discurso era de que era preciso ter representantes no parlamento para defender
a liberdade de culto. Então, naquela época, houve um despertar maior para a
política e o abandono do discurso de que isso era coisa "mundana".
Mas,
a nova postura política das ADs (Assembleias de Deus) somente favoreceu a própria cúpula da igreja.
Há farta literatura e exemplos práticos provando isso. É só fazer um
levantamento e você verá filhos, genros, netos e apadrinhados se elegendo com
apoio dos líderes das convenções e ministérios.
Obviamente que sempre se levanta algum "fantasma" ou "perigo" para se
manter essa situação. Um dos principais argumentos é a defesa da família
tradicional e dos valores cristãos, mas na prática o que importa são os
interesses dos clãs que controlam as igrejas. É lamentável, mas os crentes
foram incentivados a votar em irmãos que, supostamente, transformariam a
política do país. Contudo, nossos "escolhidos" e
"missionários" na vida pública absorveram os vícios da velha
política.
7 - AH: Me lembro que em 2002, quando o
Lula é eleito Presidente da República pela primeira vez, o então candidato à
presidência recebeu apoio massivo dos evangélicos, inclusive de membros da
Assembleia de Deus. Entretanto, pelo menos desde 2014 para cá, a aversão à
figura de Lula e ao Partido dos Trabalhadores (PT) é o que predomina entre os
evangélicos. O que causou esta mudança?
MSS: Em
2002, o povo brasileiro em geral queria mudanças na política. Era um tempo de
cansaço provocado pelos oito anos do governo FHC. Mas, se muitos membros da
Assembleia de Deus votaram em Lula, por outro lado, parte dos líderes não o
apoiou. Exemplo claro é o Ministério de Belenzinho, em São Paulo: sempre esteve
do lado do PSDB e dos seus candidatos.
Nos
últimos anos do governo do PT, se praticou uma verdadeira guerra midiática
contra o partido e sua figura central que é Lula. Os sites e blogs
assembleianos em muitos casos só replicaram o que a grande mídia secular
divulgava. Pontos polêmicos e de corrupção do governo petista foram explorados
ao máximo. Há uma tendência ao conservadorismo político entre os assembleianos.
Creio que muitos líderes até acreditam que Deus é capitalista. Com o desgaste
do PT, os líderes e políticos ligados às ADs, bandearam-se para o novo governo.
Os dois anos do governo Temer já mostrou que corrupção, propina e crise não
era coisa só do PT. Mas agora, esse pessoal tá quietinho...
8 - AH: Desde os anos 2000 para cá, pelo menos,
que o número de futebolistas evangélicos tem aumentado consideravelmente. Estes
jogadores jogam nos mais diversos times do Brasil e também estão presentes na
seleção brasileira. Alguns destes jogadores são e/ou em algum momento de suas
vidas passaram pela Assembleia de Deus. A pergunta que faço é a seguinte: o
futebol deixou de ser um tabu nesta denominação ou ainda existe uma
resistência?
MSS: Como
a Assembleia de Deus é uma igreja centenária, temos diferentes gerações dentro
dela. No geral, futebol não é mais tabu. Mas, sempre há um "remanescente
fiel" aos princípios e costumes assembleianos, que é aquele pessoal que ainda
diz que futebol é "chutar o ovo do capeta".
Contudo,
percebo que certos exageros não são bem aceitos por muitos crentes. Tem um
vídeo na internet com dois pastores do Rio de Janeiro se presenteando com
bandeiras ou camisas de times cariocas. Nota-se um certo constrangimento em
muitos crentes no culto. As ADs, por muito tempo ainda, será assim: o
"remanescente fiel" sempre estará firme e resistente.
9 - AH: Nos últimos tempos, a doutrina
pentecostal tem sido pouco pregada nos templos assembleianos e, além disso,
placas como “Jesus Voltará”, de teor escatológico, que também faz parte da
doutrina assembleiana, têm sido tiradas dos púlpitos da Assembleia de Deus de
todo o Brasil. Estariam os membros da Assembleia de Deus abandonando uma
doutrina que caracteriza a AD e a fez conhecida em todo o Brasil?
MSS: Sim.
A teologia da prosperidade, o Evangelho da autoajuda e o processo de
"aggiornamento" (conceito do historiador Moab Carvalho que significa
atualização ou secularização) têm arrefecido as pregações clássicas do
pentecostalismo. Interessante notar que em muitos cultos assembleianos, as únicas
menções à volta de Cristo, a santificação e as doutrinas pentecostais está nos
hinos da Harpa Cristã.
10 - AH: Esta pergunta está relacionada
à pergunta acima. Os assembleianos criaram uma identidade própria tão forte que
reconhecer um crente da Assembleia de Deus na rua é algo fácil. É tão fácil que
até uma pessoa não cristã consegue reconhecer um assembleiano na rua. É bem
sabido que na AD os usos e costumes têm passado por grandes transformações. Em
meio a tudo isso, os crentes assembleianos ainda têm uma identidade própria,
conseguindo se distinguirem dos demais?
MSS: Como
as Assembleias de Deus são muito heterogêneas, digo que dependendo da região, é
possível reconhecer ou não um assembleiano "das antigas". Se você for
até o Recife (PE) e visitar a Assembleia de Deus lá, vais encontrar uma igreja ainda
muito apegada aos usos e costumes. Nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro,
os assembleianos já estão há muito mais tempo flexíveis nessa área. Fala-se
muito em identidade assembleiana em alguns ministérios com finalidade de
marketing para agradar aos mais antigos.
Creio
que a modernidade e o processo de "aggiornamento" estão transformando
o que resta de identidade assembleiana em uma vaga memória do que foi a igreja.
Coisas que somente os mais velhos reconhecem e relembram com algum saudosismo.
11 - AH: Mario Sérgio, foi um prazer
muito grande ter te entrevistado. Você pode deixar uma mensagem para os
leitores do blog A Hora?
MSS: Agradeço
ao editor do blog A Hora por essa oportunidade de poder discutir assuntos
históricos e atuais das Assembleia de Deus no Brasil. Parabenizo também o seu
trabalho e o emprenho em trazer novas informações e conhecimentos ao povo
evangélico. Convido a todos para curtir e acompanhar o Memórias das Assembleia
de Deus, tanto o blog como a fanpage no Facebook.
Deus
te abençoe!
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