30/11/2017

Por que falar de sexo ainda gera polêmicas?

Imagem: Reprodução. 

     Sempre que a palavra "sexo" aparece, a polêmica é grande, independente do contexto. Se uma atriz faz uma cena de sexo, todos as mídias falam sobre o assunto, se um ator ou uma atriz faz uma cena onde pratica o ato sexual com outro ator ou atriz; na mesma hora todo mundo fala sobre o assunto e o mesmo até vira um dos assuntos mais comentados das redes sociais. Por outro lado, há aquelas reações raivosas quando o assunto é sexo, usando o termo "ideologia de gênero" quando a palavra em questão vem a tona. Mas por que todo esse "auê" quando o assunto é sexo?

Imagem: Reprodução.

     Não adianta: passam-se os anos, mas o comportamento continua o mesmo. Se o assunto é sexo, a polêmica é garantida. A mídia e as redes sociais entraram em polvorosa quando Bruna Marquezine protagonizou cenas de sexo em Nada Será Como Antes (2016). Coisa não muito diferente aconteceu quando a atriz Marina Ruy Barbosa fez a mesma coisa em Justiça (2016). E o que dizer da sequência de sexo até hoje lembrada que foi protagonizada por Vera Holtz e Tiaguara Nazareth em Presença de Anita (2001)? Estes são apenas alguns exemplos e estrelas internacionais também deram o que falar quando protagonizaram cenas quentes nas telinhas.
     Se por um lado, sexo dá o que falar. Por outro lado, há as reações raivosas quando o assunto entra em evidência. Políticos conservadores barram propostas de educação sexual nas escolas e a exposição Queermuseu foi alvo de ataques violentes nas redes sociais, levando o banco Santander a antecipar o fim da mesma. Cogitou-se exibir a exposição na cidade do Rio de Janeiro, mas o prefeito Marcelo Crivella, que é filiado a Igreja Universal do Reino de Deus (e que volta e meia oferece benesses a mesma), barrou a exposição. A filósofa Judith Butler, conhecida mundialmente por seus estudos relacionados ás questões de gênero, foi vítima de cruéis e constantes ataques quando veio ao Brasil para uma palestra em São Paulo. Em um período em que o conservadorismo cresce de maneira assustadora no país, os ataques a assuntos relacionados a sexualidade são cada vez mais comuns e cruéis.

Mark Ruffalo (à esquerda) e Matt Bomer (à direita) em cena do filme The Normal Heart (2014). Imagem: Reprodução. 

     Mas por que falar de sexo ainda é uma coisa tão polêmica? Primeiro, porque historicamente é ensinado que o sexo é ruim, demoníaco e que não se deve falar sobre isso. Pode até fazer, mas não pode falar. E segundo, porque quando se fala em sexo, querendo ou não, as estruturas do patriarcado são abaladas. Isso porque o patriarcado ensina que o homem pode dormir com quantas mulheres quiser, mas a mulher não. O homem é incentivado a sair com várias mulheres, mas a mulher não. Ao homem, é dada a oportunidade de conhecer seu corpo muito bem, a mulher não. Então, quando se fala em sexo, de uma forma direta ou indireta, tal estrutura é questionada. É por meio das aulas de educação sexual que a mulher conhece seu corpo, aprende a saber o que quer na hora do sexo e descobre como ter prazer com outra pessoa. E mais: é através das aulas de educação sexual que a mulher aprende que quando ela não quer, ela não deve ser forçada a nada. Então, na verdade, as reações raivosas quando o assunto é sexo, são reações de medo. Medo porque não querem ter os privilégios de macho perdidos ou simplesmente ameaçados quando falarem de sexo. "Ah, mas tem mulher que também é contra as aulas de educação sexual", quanto a estas, eu digo que as mesmas reproduzem o machismo. Vale destacar também que é por meio da educação sexual que a pessoa sabe que pode sentir prazer com outra pessoa do mesmo sexo e que o ato sexual não é necessariamente quando um pênis e uma vagina se unem. As pessoas não podem saber disso porque isso significa o fim da estrutura patriarcal e a consequente perda de privilégios de muitos homens.

Em 2015, padres da Igreja Ortodoxa Russa causaram polêmica no mundo todo ao lançarem um calendário onde aparecem seminus. A relação entre Igreja e sexo historicamente não é das mais amigáveis. Imagem: Reprodução. 

     A Igreja (entende-se neste texto como "Igreja" o catolicismo e os diversos ramos do cristianismo protestante) é uma das responsáveis pela demonização do sexo, mas não é a única porque a questão não é só a Igreja: ela reproduz o patriarcado existente na sociedade. Historicamente, a Igreja demoniza o sexo. Houve uma época em que ela controlava até a vida sexual dos fiéis. Penetração peniana em outro local que não fosse a vagina era pecado, a mulher ficar por cima do homem na hora do ato sexual era pecado (era um sinal de insubmissão) e "posições animalescas" também eram proibidas. Só era aceita a posição papai e mamãe e somente para fins de reprodução. O prazer era proibido. Não pensem que tudo isso foi totalmente superado. Ainda hoje, falar de sexo nas Igrejas gera polêmicas mundo afora. E em encontro de casais organizados por Igrejas podem reparar uma coisa: as perguntas mais recorrentes são relacionadas ao sexo anal e ao sexo oral. As opiniões sobre este assunto não são unânimes.
     A demonização do sexo por parte da Igreja é algo no mínimo contraditório. Se a pessoa crê que Deus é o criador de todas as coisas, inclusive do ser humano, por que demonizar algo que Deus criou? Deus criou o homem e a mulher, bem como todas as funções do ser humano. Logo, não é difícil concluir que os órgãos sexuais e a prática do sexo é algo criado por Deus. Com isto, não tem sentido demonizar algo criado por Deus. A sexualidade é uma benção divina! Para quem acredita, é claro.
     Normalmente, as crianças começam a ter aulas de educação sexual por volta da quinta e/ou sexta série (antigo quarto e quinto ano respectivamente). Entretanto, eu já ouvi gente dizendo que o ideal é a pessoa ter aulas de educação sexual quando a mesma atingir os 18 anos de idade. Para quê? Vai ter aulas sobre sexo depois de já ter feito tudo ou quase tudo? Vamos ser francos. Todos que estão lendo este texto é ou já foi adolescente um dia. Então, me responda: quando deu o primeiro beijo? Na adolescência. Qual a lembrança mais clara de ter ficado excitado ao ver uma pessoa bonita? Na adolescência. Quando começou a namorar pela primeira vez? Na adolescência. Quando perdeu a virgindade? Na adolescência. Eu sei que toda regra tem sua exceção e, por conta disso, muitos talvez não tenham feito tais coisas na adolescência. Digo por mim: eu nunca comprei uma revista de nudez, mas eu vi várias porque nos tempos de colégio sempre tinha uma alma vivente que levava revistas de mulher pelada e pornográficas para a escola e mostrava para Deus e o mundo. Diante de todas estas evidências, o ideal é ter aulas de educação sexual na adolescência, quando a pessoa está descobrindo a sua sexualidade, certo? É como diz o ditado: "é melhor prevenir do que remediar".
     Ao contrário do que muita gente pensa e até usa isso como argumento, a educação sexual não vai incentivar a criança a fazer sexo, muito pelo contrário: a educação sexual serve justamente para prevenir algumas consequências do sexo, como uma DST (Doença Sexualmente Transmissível) e/ou uma gravidez precoce por exemplo. Me lembro que as primeiras aulas de educação sexual que tive foi quando estava na antiga quarta série. Eu deveria ter uns 10 e/ou 11 anos de idade. Este fato não fez com que eu desse "igual chuchu na serra", muito pelo contrário. Graças a esta e outras aulas de educação sexual que tive posteriormente, eu aprendi a me conhecer e a saber o que eu quero. Com a minha irmã também não foi muito diferente. Quando ela tinha uns 11 anos de idade, ela já sabia de "onde vem os bebês". Este fato não a fez transar com Deus e o mundo. Hoje ela é formada, tem 31 anos e não pensa em filhos no momento.

Ilustração mostrando a suposta finalidade da "ideologia de gênero". Imagem: Reprodução. 

     Os estudos de gênero ganharam há um tempo no país a denominação pejorativa de "ideologia de gênero". É um nome dado pelos conservadores e demais pessoas que são contrárias aos estudos acerca da sexualidade humana. O modo como eles falam dão a entender que há uma luta conjunta do governo com setores da sociedade civil para incutir uma determinada sexualidade nas crianças e nos adolescentes, mostrando aos mesmos que ser heterossexual não é normal e que a moda é ser homossexual ou viver qualquer outra identidade sexual que não esteja encaixada no binômio homem e mulher. Na verdade, a "ideologia de gênero" não quer fazer nada disso: a finalidade é mostrar que existe uma infinidade de sexualidades para além do homem e mulher, além de mostrar quais são os sistemas reprodutores masculino e feminino. Com tais informações, a pessoa cresce aprendendo a respeitar as diferenças, combatendo desta forma o machismo e a homofobia.
     Aqueles que são contra a "ideologia de gênero" defendem um ensino "neutro", onde assuntos relacionados a sexualidade devem ser abordados pela família. A questão é que a neutralidade não existe no ensino e nem em lugar nenhum. É como diz o filósofo Paulo Freire (1921-1997): "Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?" Os que são contra a "ideologia de gênero" na verdade são contra tudo aquilo que vai além do binômio homem e mulher. Eles só aceitam ensinamentos que reforcem a heterossexualidade e nada além da heterossexualidade. A "ideologia de gênero" coloca em xeque a manutenção do patriarcado e os que são contra a mesma querem a permanência do status quo.

Conclusão

     Falar em sexo ainda é uma atitude polêmica porque historicamente se é ensinado a não falar e também é ensinado a demonizar o mesmo. Além disso, falar de sexo, querendo ou não, abala as estruturas do patriarcado. Isso porque é por meio da educação sexual que a mulher conhece o seu corpo, aprende a se cuidar e aprende também que quando ela não quer sexo, ela não deve ser forçada a tal. Além disso, é também por meio da educação sexual que a pessoa aprende que ela pode ser homossexual, heterossexual, bissexual ou qualquer outra sexualidade. Tudo isso é uma ameça ao patriarcado, que tem no sexo um de seus pilares. 

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